Uma mão lava a outra

As centrais sindicais estão gastando dinheiro confiscado dos trabalhadores brasileiros e dinheiro subsidiado do governo – do qual não precisam prestar contas – para entrar ilegalmente na campanha eleitoral. Apóiam um candidato e caluniam outro.

Esse é mais um dos escândalos que passam pelo olhar distraído dos brasileiros, como passam aquelas notícias de eventos exóticos em qualquer ilhota do sul do Pacífico; Paulinho da Força Sindical, suspeito de desviar dinheiro do BNDES e de outras malfeitorias genéricas (que não enumero aqui por puro tédio) disse que os trabalhadores não podem deixar “aquele sujeito” ganhar as eleições, e atribui a ele intenções de revogar leis sociais, como a licença maternidade e outras coisas. Não importa que seja mentira e que o candidato nunca tenha falado sobre esse assunto. Importa deixar a marca da suspeita e transferir ao acusado o ônus de provar que nunca pensou nisso.

A opinião pública presta a esse tipo de delinqüência intelectual a mesma atenção que presta ao menino de dois anos que fuma dois maços de cigarro por dia em algum canto do planeta. Dá uma espiada com o canto dos olhos, esboça meio sorriso , sacode a cabeça e comenta: “cada coisa…” E a vida segue.

A razão é simples: estamos saturados de ignomínias de todo tipo. Uma a mais, uma a menos, não vai fazer a menor diferença. É a banalização não do mal – o que requereria um apelo à erudição de Hannah Arendt remeteria a crimes mais letais – mas da simples sem vergonhice. A sem vergonhice barata dos pequenos espertalhões da política brasileira, rasos como suas ambições, murchos como as suas metas, rasteiros como seus ideais. Simples Paulinhos, insignificantes como tal, mas letais pelo que representam como exemplo de deterioração dos costumes políticos e de pouco caso com as instituições democráticas do País.

As centrais sindicais – que antes concorriam pelas preferências dos trabalhadores e dos proventos que eles representam – agora se uniram numa frente única para-estatal para sugar os recursos públicos e saquear os bolsos dos trabalhadores, que são obrigados a pagar um dia de trabalho para rechear seus cofres, e criaram um tipo de consórcio à moda neoperonista, não para cumprir a sua função institucional, que é defender os interesses de quem deveriam representar, mas para fazer política partidária. Pouco lhes importa que seu comportamento seja inconstitucional ou que gastem R$ 800 mil para tentar encher um estádio de votos. Dinheiro não é problema para quem não precisa fazer esforço para obtê-lo.

Paulinho, que feudalizou um pedaço de partido remanescente dos escombros brizolistas, reinaugurou o tipo de peleguismo que se julgava extinto desde a segunda metade do século passado: barganha seu apoio não em troca de qualquer espécie de crença política, mas por pacotes específicos de vantagens pessoais. Ameaça retaliar o partido governista com o qual se aliou se o lugar de vice não for concedido a uma entidade indicada por ele. Puro blefe, todo mundo sabe. Vulgar jogo de cena.

O jogo das centrais sindicais com o governo e seu compromisso político eleitoral com ele não é segredo para ninguém e não há inocentes nessa barganha. Muito menos o presidente da República, que com sua proverbial franqueza confessou: em oito anos de governo, o movimento sindical só não conquistou o que não pediu.

Nesse tipo de negócio, é muito normal que uma mão lave a outra.

Maio de 2010

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat

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