Corre-se atrás do novo, busca-se um outsider, fingem-se mudanças. Mas, 24 anos depois da primeira vitória de Fernando Henrique Cardoso sobre Luiz Inácio Lula da Silva, o ativismo dos dois ex-presidentes é um dos poucos tônicos que animam a política. Para o bem ou para mal.
E não há aqui qualquer pretensão de comparar o incomparável. Só a de apontar o fato de que ambos são as vozes mais presentes no momento. Lideram a audiência em eventos, entrevistas, e no digladio enfadonho das redes sociais.
Lula, em exercícios tortuosos para manter seus fiéis, evitar a prisão e sustentar sua candidatura ameaçada pela condenação em segunda instância. E FHC, na tentativa de sacudir um centro apático, não raro volátil, que jura honrar princípios humanistas e por vezes flerta com a direita irracional.
Com impressionante lucidez ao analisar os desafios globais e nacionais diante das novas exigências da sociedade – e, portanto, da política –, FHC assusta correligionários quando se antagoniza com o mercado ou defende a descriminalização da maconha. E deixa seus pares tucanos enfurecidos com ações como a de apoio explícito à candidatura do apresentador Luciano Huck, abortada antes de existir.
Pré-candidato e com menor espaço de manobra depois de ser condenado a 12 anos e um mês por corrupção, Lula vai no caminho inverso. Praticamente só fala de si. De sua coragem, sua inocência, sua força, sua disposição para a briga.
Os demais agentes políticos – seus companheiros e até o golpista e agora corajoso presidente Michel Temer – só entram no discurso quando se encaixam na realidade paralela de Lula.
De fala fácil e grande habilidade para envolver o interlocutor, foi assim que agiu nas duas entrevistas exclusivas que concedeu em menos de 24 horas para a Folha de S. Paulo e a Agência France Press.
Cuidadosamente articuladas, as entrevistas tiveram pouco em comum além da alegação de inocência.
À France Press, Lula falou de futebol, das chances do Brasil na Copa da Rússia, dos conselhos ofertados a Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Talvez para não virar chacota internacional, não deu um pio quanto ao delírio conspiratório de interferência dos Estados Unidos em sua condenação, tema que detalhou à Folha.
A tese requentada corre solta nos blogs de aluguel, nas redes e nas bocas de pregadores da igreja lulista.
“Governos, quando não são fortes, apelam para os militares”, diz FHC, acertadamente, ainda que irritando muitos. Já ditadores e populistas de uma esquerda para lá de ultrapassada culpam o imperialismo dos Estados Unidos para escamotear suas fragilidades e esconder suas derrotas. Lula é só mais um.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 5/3/2018.