Imaginem que Clark Gable, com cósmica bebedeira, espetava o carro a cem metros de um motel manhoso, na companhia de um irresistível par de pernas e de um ilegítimo palminho de cara. O estúdio dele, a MGM do poderoso Louis B. Mayer, mandava-lhe logo um pronto-socorro, Eddie Mannix.
Mannix era um fixer: compunha as coisas e, quando não havia coisas, também as armava. Salvava ou arruinava uma carreira em Hollywood, cumprindo os desejos de Mayer, que foi, anos 30, 40 e 50, um dos donos daquilo tudo.
Mannix tinha um assistente, Howard Strickling, que entretinha a Imprensa, garantindo que não se publicava uma linha, enquanto ele desfazia pistas e, a dólares ou robusta ameaça, fechava a boca a vítimas, ressentidos e outros particípios passados.
Acidentes de viação e abortos eram a sua especialidade, mas seria injusto deixá-lo mergulhado em tanta abjecção, na companhia do exército da noite de gangsters e polícias corruptos, sem dar valor ao seu espírito poético e à sua mente de progressiva abertura.
O espírito poético levou-o, diz-se, a criar o Mae’s, o bordel que visitámos na crónica anterior, com as imitações das mais etéreas actrizes dos golden years. Era a fantasia de quem, passe a simplicidade, amava muito a capacidade de transfiguração do cinema.
Mas falemos da abertura de espírito, de tipo progressivo, de Mannix. Viúvo, o segundo casamento foi com Toni Lanier, bailarina das Ziegfeld Follies. Eram firmemente católicos de cabeça, autorizando-se liberalidades da cabeça para baixo. Mannix e Toni já eram amantes durante o primeiro casamento dele. Mannix tinha agora um affair com uma japonesa e Toni desatou a dançar com outro católico, George Reeves, que era, então, o Super-Homem, nessa coisa menor a que se chamava televisão. Bom marido, Mannix patrocinou o catolicíssimo ménage à trois e foram felizes oito anos, até Reeves cheirar uma qualquer novidade e abandonar a bailarina amada, mergulhando-a em desolação e frascos de comprimidos. A Mannix torceu-se-lhe o nariz católico: como o casamento, o ménage à trois era indissolúvel. Só a morte autorizava o abandono. Após escapar a três sucessivos acidentes de carro, o Super-Homem suicidou-se com um tiro na cabeça. Foi o que pareceu aos polícias que descobriram o corpo, a seus pés uma Luger, registada em nome de Eddie Mannix.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.
Na foto do alto, George Reeves, o Super-Homem, com Toni. Na foto logo acima, Toni com o marido, Eddie Mannix.