Com ativismo e atividade intensas, a Corte Suprema do país encerrou 2017 superando a incrível marca de 200 mil casos julgados. Um recorde e tanto se não viesse acoplado a outro absolutamente alarmante: mais de 80% das decisões foram monocráticas, ou seja, com arbitragem de um único ministro. Algumas delas contraditórias, em flagrante desobediência a deliberações do pleno.
O arroubo individualista se acelerou nas últimas semanas, tendo como pico a liminar do ministro Ricardo Lewandowski suspendendo a MP 805 que adiava o reajuste do funcionamento federal para 2019 e elevava de 11% para 14% o desconto previdenciário daqueles servidores com salários acima de R$ 5,5 mil.
Além de arrombar as contas públicas em R$ 6,6 milhões, a liminar nada tem de provisória, o que legalmente justificaria a decisão isolada de um único ministro. Seu impacto é imediato e sem volta: mesmo que o governo consiga derrubá-la não há como recuperar os pagamentos realizados até o julgamento da matéria pela totalidade da Corte, que só retorna ao batente em fevereiro.
O mesmo ministro acumula decisões solitárias polêmicas, a exemplo do habeas corpus concedido em 2016 a um lider do PCC, um dos responsáveis pelo ataque a um quartel da PM de Fortaleza.
Lewandowski não é o único. Gilmar Mendes – que virou “meme” nas redes sociais com tantas solturas em série – é useiro e vezeiro em decisões isoladas, não raro controversas. Sem avaliar o mérito, algo que caberia aos 11 ministros da Corte e não só a Gilmar, ele decidiu impedir a condução coercitiva para depoimentos, instrumento que vinha sendo utilizado a rodo pela Lava-Jato.
Só para ficar nos últimos dias, cabe citar a confusão que o ministro Edson Fachin criou ao suspender o mandato do deputado Paulo Maluf no mesmo despacho em que manda prendê-lo. Isso depois de o próprio STF ter emitido entendimento de que cabe a Câmara cassar um parlamentar, durante a análise da prisão do deputado Natan Donadon (PMDB-RO).
A remissão do processo do deputado Rogerio Simonetti Marinho (PMDB-RN) para a 1ª instância, análise particular do ministro Luis Roberto Barroso quanto ao foro especial a que os parlamentares têm direito, vai na mesma linha. Como as mudanças no foro ainda não foram finalizadas pela Corte, Barroso decidiu fazê-lo por conta própria, ainda que supraconstitucionalmente.
Barroso nem parece o mesmo que há pouco mais de um ano, em palestra para estudantes da UnB, combatia ardorosamente a individualização dos julgamentos do STF, que, muitas vezes “desobedecem decisões já tomadas pelo pleno”. Na época, defendia ainda que era preciso “diminuir drasticamente as competências não constitucionais do Supremo”.
Essa pode até ser uma das chaves para que a Corte maior consiga desembolar o novelo que ela própria embaraçou.
Não é uma tarefa fácil, em especial diante de egos cada vez mais inflados. De ministros que em vez de guardiões da Constituição se imaginam salvadores da pátria, proprietários da ética e da moral.
Se por um lado o STF tem ampliado de forma significativa o volume de processos resolvidos, por outro tem sido moroso naqueles que mais incomodam o pais: o julgamento de processos criminais de réus com privilégio de foro.
Não há outra saída. Só o colegiado pode conferir equilíbrio às decisões, que devem ser fruto de debates exaustivos, troca de conhecimentos, argumentação e convencimento. Do contrário, o STF continuará contribuindo para a barafunda jurídica ao permitir que o voluntarismo se sobreponha à razão, que cada um escolha uma sentença.
A todos, um feliz Natal!
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 24/12/2017.