O fulgor do ouro cegou o século XXI. Olhem para as artes plásticas e vejam a ferocidade com que o dinheiro se arrogou o direito de ser o critério de beleza deste tempo. “Nada abaixo das cinquenta mil libras é arte”, avisou, irónico e humilhado, o crítico de arte Anthony Howell.
Abaixo de cem milhões de dólares, um filme de Hollywood é um órfão sem chupeta. Agora, metam a unha, escavem a superfície e espreitem Hollywood quando não está a beber champanhe pelo gargalo.
Voltamos sempre ao bibe humilde. Quando chegaram, os formidáveis novos deuses vieram pela mão de suas mães. Vejam Emma Stone, Oscar de melhor actriz em La La Land, muito por causa de uma hérnia do hiato. De nascença. Chorou, estridente, seis ou oito desalmados meses: arranjou assim a bela rouquidão que nos arranha num incerto ponto, algures entre o estômago e a alma. Ainda hoje, a mãe de Stone entra em convulsão se ouve um berro de dor infantil.
Ora, não é o choro, mas o embaraço de Stone que interessa. O mesmo embaraço que já tivemos, um dia, com a nossa mãe. Hollywood esvai-se em milhões de dólares, mas o mais bonito é a mãezinha primordial.
Nos primeiros Globos de Ouro, Stone levou a mãe. Sentaram a senhora ao pé de Angelina Jolie e Brad Pitt. E ela perguntou – tão novos! – quem eram. Eles declinaram, gentis, os nomes rutilantes. A mãe continuou: “Mas estão nesta actividade? São produtores?” E perguntou se eram casados, se queriam ter filhos.
Há um inapagável traço de ironia na beleza atrevida de Emma Stone. Vem-lhe da mãe, sei agora. Ela confessou, depois, à filha, que sabia muito bem quem eram. Mas deu-lhe para uma pequena liberdade de mãe, amável compensação por oito meses de choro satânico da filha.
Ryan Gosling, que cantou e dançou La La Land com Emma Stone, foi também com a mãe nos seus primeiros Oscars. Ela armou um eriçadíssimo penteado-colmeia, moda 40 anos antes. Quem a cumprimentava tinha de se inclinar para não ser ferido. “Diga-lhe que o penteado é bonito”, atreveu-se Gosling a implorar a Meryl Streep. “Estive para vir com esse penteado – disse a generosa Streep à mãe de Gosling –, que pena não o ter feito.”
Derramam-se rios de dólares, caudais de ouro e só queremos, pequeninos, que a mãe, mãezinha, não nos faça passar uma vergonha à porta da escola.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.