Marxismo-Marilynismo

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Ainda está vivo o moço que nos anos 60 foi entregar mercearias a um apartamento de Manhattan e a quem uma distraída mulher agarrada a um ruidoso aspirador disse: “Ponha aí.” De boca aberta, ele percebeu que era, e não podia ser, Marilyn Monroe. “É a Marilyn?”, perguntou-lhe. “Sim, às vezes sou eu. E tu quem és?”

Marx, que nunca conheceu Marilyn, deu mau nome à repetição em História, mas a verdade é que a História se repete e não necessariamente como farsa.

E volto, desarvorado, a Marilyn. Sam Shaw, seu fotógrafo, que conheci em Tróia, levava-a a festas. Praticamente pela mão. E ela ia, miúda linda e tímida. Shaw, homem do mundo, apresentava-a, dizendo apenas, “uma amiga, Marilyn”. Ninguém a reconhecia. “O que faz?” “Tento ser actriz”, respondia. E, de “onde é que eu já a vi” em “onde é que eu já a vi”, lá reconheciam na tímida figura o deslumbrante fantasma que tinham visto no escuro do cinema. “Sou tantas pessoas, quem me dera, às vezes, ser só eu”, dizia-lhes ao ouvido Marilyn.

Mas já Karl Marx passa a porta do cemitério da História e procura, em Portugal, senão Marilyn, pelo menos a sua obstinada ideia de repetição. E não é que escolhe António Costa?

Pensa-se em António Costa e a sua bela exuberância física aponta para uma nédia economia de mercado. Keynesiana, mas de mercado, de um suculento capitalismo regulado, capaz de alimentar um Estado social gourmet.

E, no entanto, se for um moço lá a casa entregar as mercearias, será que o reconhece, a aspirar o hall de entrada com o aspirador que Jerónimo de Sousa lhe emprestou?

“És o António Costa?”, pergunta-lhe Marx. E logo António: “Às vezes sou; e tu quem és?”

Podemos dar asas à imaginação: o Sam Shaw dele, Catarina Martins, que é quem lhe faz a fotografia, convence António Costa a irem juntos a uma festa. Entram, ambiente ruidoso, e ela apresenta-o à esquerda e à direita (sem ofensa). “É o António!” diz ela. “O que faz?”, perguntam as pessoas, confessando conhecer aquela cara. “Presido a um Conselho.” “De administração?”, intrigam-se. De ministros, esclarece ele, com humildade. E as pessoas, como se vissem Marilyn, caem em si de espanto: “É mesmo você?” “Sou tantas pessoas… Quem me dera, às vezes, ser só eu.”

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Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.

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