Claudião, o robusto Claudião, é aposentado e mora aqui no meu bairro. Fenômeno típico da realidade brasileira, conseguiu parar de trabalhar aos 45 anos e agora, aos 50, leva um vidaço. Além de morder graninha de bom tamanho do seu fundo de pensão ligado a uma estatal, velha tia que morava em Amparo deixou-lhe de herança vários imóveis além de aprazível e rentável fazenda. Pois bem, encontrei ontem tal personagem numa banca de jornais justo no instante em que ele comprava o último número da Playboy.
– Resolveu dar mais realce à suas fantasias eróticas? – brinquei.
Repentinamente vermelho ele enfiou a publicação sob o suéter, ao mesmo tempo em que pediu que eu falasse baixo.
– Algum problema? – Murmuro.
– Absolutamente – ele cicia – porém não quero que você, sem querer, estrague meus planos.
Dito isso me puxou para um café na padaria, onde revelou que a revista que acabara de comprar fazia parte de um plano.
– Com isto aqui – garantiu, mostrando discretamente a capa – vou faturar a melhor empregadinha das redondezas.
– Santo Deus – ergui as mãos – mas…
– A minha esposa – Claudião cortou – está em Amparo. Aliás, desde que ela resolveu tocar a fazenda, raramente vem pra Campinas.
– Tudo bem – balanço a cabeça – porém você já não tá meio crescido para andar atrás de empregadinhas?
– Você diz isso porque não conhece.
– Quem?
– A empregadinha que estou a fim.
Rapidamente contou que vinha dando em cima da guria há vários dias.
– Eu a vi pela primeira vez – detalhou – aqui na padaria. Ela vem sempre, cedo, comprar leite e pão mais o jornal, ali na banca.
– Você não se dá mesmo ao respeito, não é, Claudião?
– Bom… – ele vacila – Talvez você tenha razão, entretanto, não resisti. Na terceira vez em que a vi joguei em cima dela
– Jogou o quê?
– Uma cascata.
– E colou?
– Está colando…
Foi nesse instante que, olhando para a Playboy, apontei:
– O que a revista tem a ver com sua cara-de-pau?
– Aí é que está…
– Aí é que está o quê?
– Veja – ele ergueu a publicação – uma das cascatas que joguei em cima da menina é que ela tem condições.
– Condições de quê?
– De posar para uma revista como esta; eu a comprei para dar a ela. Quero mostrar as fotos até porque prometi que iria mexer os pauzinhos.
– Posso saber pra quê?
– Para arranjar… – Claudião balançou o corpanzil.
– Arranjar o quê? – começo a perceber.
– Que ela pose.
– Para a Playboy? – me apoiei no balcão, para não cair.
– Cascata, não é? – O aposentado pigarreou – Sei que ela tá interessada, prometo, e daí…
– Ah – interrompi – você não tem mesmo jeito.
– Ora, isso acontece nas melhores famílias. Amanhã de manhã vou esperar que ela venha à padaria para lhe dar a revista. Então…
– OK, OK – ergui as duas mãos – espero que você não entre numa fria.
Isso aconteceu ontem, como já disse. E, naturalmente, hoje cedo tinha mesmo que tomar o susto que tomei. Pois Rosineide, a empregadinha que arranjei no mês passado, vinha entrando com meu pão, leite e jornal numa das mãos. Na outra, um número da Playboy. Rápido, me atirei ao telefone. Comecei assim:
– Pô, Claudião…
Esta crônica foi originalmente publicada no Correio Popular
Um comentário para “Artimanha de aposentado”