Volto à cama onde deixei Hedy Lamarr. Fumávamos com ela o posterior cigarro que sempre se fuma quando na nossa baixa humanidade se inscreve uma certa branca e irredutível alegria.
Adiante. Lamarr está agora à mesa. Janta com Mussolini. E já, noutra noite, janta com Hitler. Podem não acreditar, mas esses jantares fascistas acrisolaram o anti-fascismo de Lamarr.
Hedy casou-se com o mau feitio de um negociante de armas. Mesmo a malta dos Panama Papers é angélica ao pé deste amigo de nazo-fascistas. O escroque, riquíssimo, sentava-a com os omnipotentes da Europa. Enchia-a de viagens exóticas, ouro, talvez incenso. E Hedy mirrava. Judia, com primorosa educação vienense, Lamarr estava nos antípodas do raivoso austríaco Adolf e da pesporrência do italiano de opereta chamado Benito.
Precisava de criar. Tentou fugir ao marido, mas mesmo nua e a correr pelos campos, como em Êxtase, seu primeiro filme, não era fácil. Há rumores de que se escondeu meses num bordel e só assim se escapou ao Fritz carcereiro.
Fugiu e, em Londres, jantou com Louis B. Mayer, o boss da MGM, estúdio que era uma Via Láctea de pó de estrelas. A carreira de Lamarr foi o que foi: muito glamour e pouca uva. Ora, não é para falar de cinema que o Expresso me convida, mas para falar de ciência.
Hedy tinha veia científica. Mesmo no cativeiro do casamento, Hedy fizera planos para um tal “salto de frequência”, de que se falava à mesa nazi. Em Hollywood, estava num dueto, com o pianista George Antheil. Ele tocava e ela, noutro piano, repetia as notas. Perceberam que duas pessoas podem mudar o canal de comunicação e continuar, digamos, uma conversa. Criaram um “sistema secreto de comunicação” que, pela manipulação das frequências de rádio, era indetectável por terceiros. A fugitiva Lamarr descobrira uma forma de enganar os radares nazis.
Anti-fascista, o “salto de frequência” de Lamarr foi também anti social-fascista. A aplicação aos misseis americanos, tornando-os indetectáveis, fez os soviéticos recuar na crise de Cuba. Hedy ganhou duas guerras. Temos democracia por causa dela. Telemóveis também. A invenção de Hedy é o esqueleto do spread spectrum que nos oferece wi-fi, bluetooth, a explosão digital, o orgasmo wireless de hoje. Andamos com Hedy Lamarr na sensível ponta do dedo.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.
Simplesmente incrível. Achava que Hedy era apenas a Dalila, do Sansão canastrão, Victor Mature. O artigo despertou minha curiosidade e fui pesquisar a respeito. Hedy era mesmo uma inventora. Na internet tem todas as informações da criação do tal sistema que interferia na frequência dos mísseis. E o espetacular é que ela é considerada a “mãe do telefonia celular”. Miltinho,com essa, você tem que admitir que a Hedy era quase tão inteligente quanto a Dilma.
M
a
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Manuel perto de Cannes poria nos brindar com comentários sobre o filme Aquarius.
De resto bisonha a comparação entre mulheres inteligentes, digna de um Victor Mature.