Igual a muitas outras pessoas, não estou imune à mítica que se criou em torno da sabedoria chinesa. Muito disso se deve a livros e revistas, mas foi no cinema que o mito se cristalizou. Os veteranos certamente se lembram dos filmes do detetive Charlie Chan, um camarada que vazava sabedoria não só na forma de elaborar suas investigações como também nas frases que soltava. Mais recentemente, a série Kung Fu era um arraso. O personagem chave, além de lutar artes marciais uma barbaridade, de quebra murmurava sacadas filosóficas sensacionais, geralmente utilizando-se de formidáveis metáforas. Algo me diz, no que se refere a isso, que o nosso incansável presidente-viajante certamente não perdia nenhuma das películas da série. Aquela frase que ele soltou faz aí uns meses a garantir que é preciso regar as jabuticabeiras me cheira a ensinamento do chinês interpretado pôr Keith Carradine. Só que o personagem televisivo tinha muito mais charme ao largar suas sacadas.
Mas estou contando isso porque, conhecendo as pérolas do país das Muralhas através do cinema e da literatura, especialmente Pearl S. Buck, passei a alimentar enorme vontade de encarar em carne e osso um chinês que fosse mestre em boas frases sobre a vida e o mundo. Na minha época de repórter em São Paulo muitas vezes vaguei pelas ruas do bairro da Liberdade em busca de um china prenhe de ensinamentos em observações curtas e metafóricas. Confesso que a busca resultou infrutífera. A única vez em que cheguei mais perto de algo parecido foi quando, trabalhando em Santos, conheci o jornalista Armando Akio, ainda atuante por lá, acho que no jornal A Tribuna. Ele formulava sacadas ótimas mas, descobri depois, não possuía nada de chinês. Era apenas um simpático nissei.
– Do Japão eu não tenho nada e tenho tudo – me disse certa vez. – Nada porque nasci aqui mesmo, perto do cais. E tudo porque sei comer com pauzinhos, adoro arroz papa com peixe cru e prefiro sakê à cachaça…
Recentemente tornei a chegar perto de desencavar um grande sábio da terra de Mao Tsé Tung. Foi quando, em busca de identificação para umas preciosidades em porcelana, me informaram que em Joaquim Egydio, distrito de Campinas, existia um oriental que sabia tudo sobre o tema. Imediatamente passei a associá-lo ao milenar conhecimento dos mandarins, e logo imaginei que encontraria uma figura prenhe de belos ensinamentos. Assim foi que, levado pelo antigo subprefeito do charmoso local, meu amigo Jacy Rios, cheguei à casa de Chang Tai Ku.
Claro, ele nominou de pronto todas as peças de porcelana que a ele levei. Mas, terminada a missão, eu queria achar um jeito de conduzir o homenzinho de olhos puxados a soltar frases encharcadas, gotejantes, úmidas de sabedoria. Falei disso e falei daquilo, porém nada. De repente, como começava a escurecer, murmurei que o dia vinha chegando ao fim e precisava ir. Imediatamente Chang Tai coçou a ponta do nariz e me olhou. Logo soprou, com tímida humildade:
– Não pense na noite apenas como o fim do dia; sim, que ela é a véspera da luz…
Francamente, não sei se o chinês de Joaquim Egydio poderia ser e reencarnação de um personagem daqueles das fitas de kung fu. Porém, até hoje, foi o melhor que consegui…
Esta crônica foi originalmente publicada no Correio Popular