O que poderá ser dito agora? Nada ou quase nada além de um suspiro.
Com essa constatação melancólica, o professor Eugenio Bucci, da ECA-USP, que nos tempos em que era possível dizer alguma coisa foi diretor da EBC – Empresa Brasileira de Comunicação – durante o governo Lula, assinou esta semana em artigo no Estadão, um dolorido testamento ideológico, uma espécie de ofício fúnebre para sepultar de vez o que restou do PT e para lamentar “aquilo que ficou para trás e para trás ficou”.
Esse generalizado “adeus às ilusões” que hoje corrói algumas almas petistas que guardam como relíquia histórica alguns resquícios dos, vá lá, ideais sobre os quais o partido foi edificado, é uma espécie de atestado de óbito de uma saga política cuja narrativa caberá agora aos historiadores.
Um veterano e experiente jornalista como Clóvis Rossi, insuspeito de simpatias antidemocráticas, também constatou, com menos dor do que Eugenio Bucci, mas com mais espanto, que ainda há gente que trata José Dirceu, condenado pelo mensalão e preso sob suspeita de participação no petrólão, como o jovem herói da Rua Maria Antônia – ícone da luta contra a ditadura.
Sobre os escritores e artistas que assinaram o manifesto em defesa de José Dirceu, Rossi diz: “essa gente não conseguiu sequer sair da Rua Maria Antônia, cuja simbologia antecede de muito a queda do Muro”.
Do jovem de cabelos revoltos da Maria Antônia ao provecto e abatido senhor que chegou escoltado por policiais à carceragem da Polícia Federal em Curitiba, há toda a simbologia de uma espécie de retrato de Dorian Gray da história política recente do Brasil.
Já não havia aí sequer o orgulhoso “herói do povo brasileiro” que chegou com o braço erguido ao presídio da Papuda, nem o combativo deputado federal que parecia destinado a uma gloriosa carreira quando o então presidente Collor foi enxotado do poder, em 1992.
Neste prefácio do livro “Todos os Sócios do Presidente”, de Gustavo Krieger, Luiz Antonio Novaes e Tales Faria, onde se narra a saga corrupta de Collor, José Dirceu escreve um texto que parece profético.
Mudando nomes e detalhes, José Dirceu poderia ser hoje o protagonista do seu próprio prefácio. Ele e seu partido diriam hoje que quem escreveu esse texto era um golpista ?
Eis o texto:
“A Comissão Parlamentar de Inquérito do caso Paulo César Farias pertence ao país, particularmente à juventude. Não teria sido possível sem a democracia.
Pela primeira vez na história do Brasil esse sentimento de revolta contra a impunidade encontrou eco no parlamento e cresceu até tomar conta de todo o país. A CPI só saiu do papel graças à pressão da sociedade organizada e as denúncias da imprensa, que deram sustentação à luta quase quixotesca que parlamentares travavam contra a corrupção no governo federal.
A CPI revelou que o chefe da corrupção era o próprio Collor, envolvido em fatos incompatíveis com o cargo de presidente da República, recebendo vantagens econômicas ao longo do seu mandato, para si e seus familiares, através do esquema criminoso de PC. Mais grave ainda é que tudo isto foi possível porque recebeu o apoio de grande parte do empresariado brasileiro, o que revela o grau de decomposição ética das elites brasileiras, acostumadas à impunidade e ao assalto aos cofres públicos.
Por tudo isso, não basta a CPI, é preciso que seu espírito tome conta do país. A verdade é que o nosso povo novamente está caminhando. Está tecendo o fio da história, retomando a luta pela dignidade e justiça, pela cidadania.”
(*) Sandro Vaia agradece a colaboração do jornalista Alexsandro Nogueira.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 7/8/2015.
OS IMBECIS ÚTEIS, MAS INOCENTES.
A novidade não é o roubo nem as relações ilegítimas entre agentes privados e públicos. Todos os consultores, projetistas, jornalistas, escritórios de advocacia econômica, todos que fingem ultraje ao pudor sempre foram não só cientes como, no todo ou em parte, beneficiados pelo sistema virótico da sociedade acumulativa brasileira. Enriqueceram e vivem como parasitas do sistema nacional de corrupção. A novidade é que o Partido dos Trabalhadores entrou como sócio, apresentando como cacife os milhões de votos daqueles que nunca foram objeto de atenção. Candidatou-se ao suicídio.
A caça ao intruso foi imediata. A cada política em benefício dos miseráveis, mais se acentuava a perseguição ao novo jogador, insistindo em reclamar parte do botim tradicional da economia brasileira. A penetração do PT na associação das elites predadoras era encoberta pelo compromisso real de muitos de seus quadros com o destino dos carentes. E assim como os grandes capitães de indústria, pelo mundo a fora, os nossos também cobraram uma exploração extra, uma vantagem desmerecida, uma nova conta na Suiça em troca dos empregos criados, da produção aumentada, do salário menos vil. Mas assim também como os operadores tradicionais, os petistas se entregaram à sedução da sociedade acumulativa: o roubo com perspectiva de impunidade.
A Lava Jato revelou a tragédia da vitória do capitalismo sobre a liderança dos trabalhadores. Os grandes empresários e as grandes empresas, ao fim e ao cabo, vão se safar, com os acordos de leniência e as delações premiadas, reservas que fazem parte de suas mochilas de sobrevivência. Serão nossos “robber barons” do futuro. Não assim a destroçada elite petista, à qual não resta senão acrescentar o opróbrio da traição à vergonha da confissão.
A vítima ensanguentada dessa caçada é o eleitorado petista. Muito além dos militantes, todos aqueles que saudaram e apoiaram a trajetória de crescimento de um partido que, claramente, era o deles. Os que suportaram os preconceitos, que resistiram às pressões e difamações e que viam nas políticas sociais o cumprimento de promessas nunca realizadas. Esses estão hoje expostos à brutalidade dos reacionários e fascistas, ao escárnio, aos xingamentos e ofensas. O eleitorado petista não é criminoso, criminosos são os fascistas que os perseguem nas ruas, nos lugares públicos, sem que as autoridades responsáveis tenham a decência de garantir-lhes a inocência.