Marina agora conta história para os adultos.
Contou hoje para nós – e duas vezes – Uma Lagarta Muito Comilona. Já tinha contado pra mãe e pro pai; para nós, foi absoluta novidade.
Ficamos quatro dias sem ver Marina – domingo, segunda, terça e quarta – por causa da viagem dela com os pais para um belo hotel em Dourado, no interiorzão de São Paulo, onde comemoraram o aniversário da mãe. Só quatro dias, mas parece que estávamos todos com muita saudade. Lá no hotel – lugar super equipado para receber crianças, e a foto acima é só um mínimo indicativo disso –, a pequena perguntou para a mãe se o vovô e a vovó iriam chegar. E fez carinha triste quando a mãe disse que nós não iríamos.
A netada hoje foi bem longa, de mais de 4 horas. Mas, quando falamos em ir embora, já depois de 10 da noite, Marina protestou, queria que ficássemos mais.
Na verdade, estava exausta, e provavelmente faria uma manhazinha antes de dormir mesmo se estivesse só com a mãe. Mas o fato é que protestou, chorou, disse que não queria que a gente fosse embora.
A pequena definitivamente gosta da avó e do avô.
***
Teve um monte de coisas deliciosas na netada longa, mas o maior destaque foi, sem dúvida alguma, a Marina nos contar história.
Estávamos no quarto dela, a mãe, Mary e eu, depois do jantar – que tinha sido bem mais tarde que o padrão dela, junto conosco, na sala – e depois da pausa para o DVD, antes do banho. O Carlos não estava: tinha marcado encontro com os amigos, e saído antes de pedirmos a pizza.
Fê perguntou para Marina se ela não gostaria de contar para o vovô e a vovó aquela história que ela gosta de contar – e pegou o livro da Lagarta Muito Comilona, um grande, belo livro de capa dura e ótimas ilustrações que foi presente de 2 anos dado pelo Dani e pela Sarah, segundo lembra a Mary.
Marina fez que sim. Fê pegou o livro, deu para ela, ela pôs o livro no colo. Estava sentadinha no chão do quarto dela; todos nós estávamos sentados, eu bem diante dela, Mary à direita dela, Fê à esquerda.
E então se pôs a contar a história da lagarta muito comilona.
Contou tudo muito direitinho. Em vários trechos, repetia as palavras exatas do livro – são ilustrações bem grandes, e o texto bem pequeno. Marina praticamente já decorou a história, que deve ter ouvido várias vezes da Cau e da mãe e também do pai; eu mesmo me lembro de ter contado para ela uma vez.
Ela conta com expressão, com expressividade. Não é uma coisa decorada decoreba, como, por exemplo, os meninos de Olinda contando a história da cidade – é absolutamente nítido que ela sabe o que está falando. A lagarta comeu – sei lá, digamos, uma goiaba, duas bananas, três peras, quatro morangos, cinco laranjas. A cada página, Marina vai enumerando, uma, duas, depois uma, duas, três, até cinco – aí faz pequena pausa, e diz, acentuando a surpresa: “E ainda ficou com fome!”
Claro, óbvio, evidente que, aos 2 anos e 4 meses, Marina não pronuncia com absoluta correção todas as sílabas. Há algumas trocas de consoantes, e ela fala rapidamente, com alguma sofreguidão, e então às vezes come sílabas. Mas é fantástico como ela é expressiva, como tem vocabulário – e, diacho, como a vozinha dela é linda e fofa.
Tem um estranho s que parece de carioca – não sei como é possível isso, filha que é de paulistano com paulistana. Mas o s meio de carioca nela é muitíssimo mais simpático do que s dos cariocas.
Mary diz que ela fala os plurais direitissimamente, ao contrário de nós, mineiros, que comemos os s finais avidamente, como se fossem pão de queijo. Com apetite parecido com o da lagarta.
Ouvir Marina contando história dá vontade de abraçar forte e encher de beijo e não largar nunca mais.
Depois que chegamos em casa, Fê e Mary trocaram mensagens, e Fê contou: “Eu o Cá babamos tanto esses dias, nossa…”
***
Marina queria mais histórias, depois de nos contar Uma Lagarta Muito Comilona. Pediu para a mãe o jogo de 9 livrinhos – aqueles das primeiras histórias que contei pra ela. Pegou o da Cachinhos Dourados, e parecia que queria ela mesma nos contar, mas ficou insegura – não estava sabendo direito. A Fê foi dizendo que o desenho de cada página a ajudava a saber contar a história.
Vimos que o fim da história no livrinho minúsculo é muito simplificado, diferente do final da história que a Mary conhecia. E então Mary contou a história tal como ela conhecia. Marina ficou olhando para ela absolutamente mesmerizada, com 100% de atenção, foco, interesse – que nem ela fica com os DVDs prediletos.
Foi a maior delícia observar o rostinho dela olhando para a Mary.
Queria que a vovó contasse mais histórias. Foi preciso a mãe levar um lero para convencê-la a ir tomar o banho.
Um bom tempo mais tarde, passado todo o ritual do banho, do preparo da mamadeira, ela, de volta ao quarto, sentou-se na cama, para ouvir história, tomar a mamadeira, relaxar e enfim dormir. Mas quis contar de novo a Lagarta Muito Comilona. Nessa hora, eu estava com a filmadora a postos – filmei tudinho, num take só. Curiosidade danada de saber como ficou. Mesmo que a imagem não tenha ficado muito boa, está lá gravada a vozinha dela contando história!
Marina, aos 2 anos e 4 meses, tem a relação com as imagens em movimento, as telas, segura sob rédeas curtas pelo pai e pela mãe. Nada de exageros, por enquanto, com as telas – que maravilha. Mas não há rédeas curtas para as histórias que saem dos livros ou da voz das pessoas que estão perto dela e a amam.
Gosta das histórias, curte, presta uma danada de uma atenção, aprende, apreende. Fica seriíssima quando ouve. Presta atenção. Adora falar, mas sabe ouvir. Ouve, e cresce.
Criatura maravilhosa.
16/7/2015
A foto do alto é de Fê Bêla.
Uma Lagarta Muito Comilona é de autoria do americano Eric Carle. Foi lançado originalmente em 1969, com o título de A Very Hungry Caterpillar.
Que delícia de texto! E que maravilha deve ser ver Marina lendo…
Lá vai um presentinho para ela:
O Mosquito Escreve
O Mosquito pernilongo
trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo,
faz um S.
O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê,
faz um Q,
faz um U e faz um I.
Esse mosquito esquisito
cruza as patas, faz um T.
E aí, se arredonda e faz outro O,
mais bonito.
Oh!
já não é analfabeto,
esse inseto,
pois sabe escrever o seu nome.
Mas depois vai procurar
alguém que possa picar,
pois escrever cansa, não é, criança?
E ele está com muita fome.
Cecília Meireles