O drama shakesperiano do PT

O Partido dos Trabalhadores realizará seu 5º Congresso em meio a um gravíssimo problema de identidade, como admite o manifesto de sua corrente majoritária, Construindo um Novo Brasil.

O dilema não tem a ver com uma crise de consciência ou com a tentativa de limpar a própria biografia dizimada por escândalos e malfeitos.

Na verdade, o que preocupa os petistas é como firmar posição, manter o poder e se locupletar com o melhor dos mundos: usufruir do bônus de ser governo sem arcar com o ônus.

Só isso explica o grande ponto em comum entre as sete teses apresentadas pelas diversas correntes do PT: a crítica ao ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy.

O caleidoscópio petista é vasto.

Vai de quem simplesmente quer a cabeça do ministro da Fazenda e um giro de 180 graus na política econômica da presidente Dilma Rousseff, até quem considere o ajuste fiscal como um “recuo tático” que “recai mais sobre os trabalhadores do que sobre outros setores das classes dominantes”.

Essa é a posição mais moderada, defendida pela corrente majoritária e cuja chapa ironicamente se chama “O Partido que muda o Brasil”. Sabemos muito bem onde essa mudança desaguou.

Vamos deixar de lado algumas pérolas da tese da maioria, como suas lamúrias contra o ”presidencialismo de coalizão” e seu mea-culpa por causa do “cretinismo parlamentar” praticado por alguns petistas ao longo das últimas legislaturas.

Mais importante do que tudo isso é a aposta numa luta intestina entre Joaquim Levy e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, com Dilma desempatando o jogo em favor dos “desenvolvimentistas”, como fica claro na seguinte passagem:

“Face à disposição manifesta pela Presidenta Dilma de preservar as conquistas dos trabalhadores nos últimos 12 anos, é necessário que as medidas fiscais sejam complementadas por propostas governamentais que apontem – como já declarou o Ministro do Planejamento – para uma retomada do crescimento ainda este ano”.

O delírio é livre.

O dilema hamletiano dos petistas não se resume apenas a ser ou não ser governo. A crise do PT é tão profunda (talvez seja a maior crise já vivida por um partido político na história brasileira) que o desencanto vem batendo firme em couraças até recentemente impenetráveis. A catatonia e a perplexidade tomaram conta das bases.

Mais: petistas de alto coturno avaliam até que ponto é negócio disputar as próximas eleições pela legenda, ou se não é o caso de criar um biombo para se proteger da severa punição que o eleitorado anuncia.

Esse parece ser o jogo de Lula. Está com Dilma, pero non mucho.

Ora prestigia a presidente, ora avaliza a pregação do ex-governador Tarso Genro em torno de uma frente de esquerda.

Se houver o milagre da recuperação de Dilma, o caudilho será candidato em 2018 pela legenda e sua campanha terá como símbolo uma enorme estrela. Mas se for confirmada a tendência atual, pode se descolar da criatura e se candidatar por algo semelhante à Frente Ampla do Uruguai, atrás da qual venham a se esconder petistas de todos os cantos.

Enquanto o horizonte não se esclarece, Lula fará o que Juan Perón sempre fez na Argentina: arbitrar a disputa interna entre a direita e a esquerda do seu partido para impor o princípio da “verticalidad”.

É um princípio cristalino. O debate interno é livre, mas a última palavra é a do caudilho.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 3/6/2015.

Um comentário para “O drama shakesperiano do PT”

  1. Apesar do ódio alqueriano, vejo grande coerencia na análise. O caudilho se apresenta para 2018.

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