O mau feitio nasceu com ele, mas Francis Coppola emprestou-lhe as cores da lenda. Falo de James Caan, que foi, no The Godfather, o filho primogénito de Don Corleone, herdeiro de um império em que o crime e o amor à família se beijam na boca.
Caan era Sonny, filho mais velho de Marlon Brando. E era um poço de virilidade e energia física que mal cabia nos três centímetros apertadinhos do seu cérebro, insofismável prova de que o tamanho conta.
Duas cenas bastam para que o Panteão de Hollywood e Deus o guardem. Numa, espancava com prazer e método o cunhado, que lhe esmurrara a irmã. Sova inconstitucional, porventura, mas como vigorosa terapia à violência doméstica ninguém fará melhor. Na outra, uns torpes inimigos entalam-no numa insidiosa portagem de auto-estrada e matam-no como a um cão: para aí uns mil tiros desenham-lhe no corpo uma inenarrável renda de bilros.
Caan continuava a guardar no fígado este Sonny quando, na vida dita real, se divorciou. Andava, digamos, enervado. Via em toda a gente o cunhado do The Godfather e deu-lhe para um excedente primário de murros e pontapés. O médico prescreveu-lhe três meses de repouso na mansão de Hugh Hefner, seu amigo do peito.
Falo da célebre mansão da Playboy e, sem querer pôr-me em bicos de pés, sei do que estou a falar. Na altura, tinha trazido os aveludados programas da Playboy para a velha SIC. Uma linda e inteligente vice-presidente da inefável companhia, com quem até discutia as intrincadas formas de crueldade que foram Mao Tsé-tung e o Marquês de Sade, convidou-me para a mansão. A mim e mais quarenta executivos, hèlas.
Uma banda de jazz tocava no pátio, amáveis sons de selva vinham de um promíscuo zoo de flamingos, macacos, coelhos e araras. Vimos a casa e umas alinhadas e prudes playmates arrastaram a reputação dos nossos fatinhos Armani (tempos pré-Syriza!) para a lama, o vapor, as cristalinas águas de uma sauna escavada na rocha.
Foi a outra festa, premium, que chegou Jack Nicholson e uma loira que era o dobro dele. Saíram do carro como se fossem um só corpo e caíram sobre o capot do Jaguar Roadster de James Caan. O jovem que arrumava os carros tremeu. É que Caan vinha a sair da casa. “Sr. Caan, vou buscar o carro?” E não é que foi como se a paz tivesse entrado em Caan? “Deixa estar, meu filho, não se tira a carne da boca do leão que come. Chama-me depois, estou na cozinha.”
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.
The Godfather, todos sabem, no Brasil teve o título ridículo de O Poderoso Chefão. E a foto logo acima, do leão Jack Nicholson preparando-se para a refeição na mesa da cozinha, é, se não estou enganado, da refilmagem de O Destino Bate à Porta/The Postman Always Rings Twice, de 1981. A carne é a de Jessica Lange.