Criticada por diplomatas, parlamentares e até mesmo por petistas históricos como o senador Eduardo Suplicy (SP), a proposta de criação de um Conselho Nacional de Política Externa está longe de ser o único desatino do documento A política internacional do PT.
As 25 páginas que chegam ao plenário do 4º Congresso Nacional do PT no pós-carnaval, entre os dias 18 e 20, têm conteúdo explosivo. E podem fazer tanta marola ou mais que o documento A grande transformação, base do programa para a pré-candidata Dilma Rousseff, que, por ordem do presidente Lula, deverá perder o tom estatizante.
Apresentada em sete capítulos, a proposta da Secretaria de Relações Internacionais do PT tenta fazer o impossível: diferenciar a política externa do governo Lula da preconizada pelo partido. Mas chega, no máximo, a expor dois ou três pontos de divergência: o entendimento de que o governo brasileiro deve se relacionar com a Colômbia – “Cavalo de Tróia dos Estados Unidos na América do Sul” -, com o México e com outros países de “direita”.
Antiamericanista até a medula – como dita o figurino do esquerdismo juvenil –, o documento elogia a competição que a política externa do governo Lula estabeleceu com os norte-americanos. E vai mais longe: exalta a possibilidade de o Brasil, em médio prazo, “constituir-se em uma ameaça aos Estados Unidos”. Além de vincular a polêmica compra dos caças franceses e do submarino de propulsão nuclear à necessidade de se enfrentar o poderio militar norte-americano.
Nem o presidente da Venezuela Hugo Chávez, nos seus usuais arroubos contra o imperialismo ianque, faria melhor.
Com pesos e medidas ditados pela conveniência, o texto chega a ser quase divertido (se não fosse trágico) pelo volume de palavras de ordem e contradições. Condena “toda forma de terrorismo, inclusive o terrorismo de Estado”. Mas é condescendente – na verdade mudo – em relação às atrocidades de ditaduras comunistas, seja na China ou em Cuba. Repudia o embargo à ilha, mas nada fala dos presos políticos e das milhares de mortes ordenadas por Fidel. Ao mesmo tempo em que se diz comprometido com os direitos humanos, mantém o apoio incondicional a chefes de Estado que se seguram no poder à custa do cerceamento da liberdade de seus povos.
Chama de “nova ordem mundial” receitas obsoletas que só sobrevivem em regimes que usam o constrangimento, a perseguição, a prisão ou o paredão para se manter.
Apóia movimentos revolucionários nos quatro cantos do mundo: Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), Frente de Libertação Nacional da Argélia (FLN), entre outras. Mas cala-se sobre as FARCs, a narcoguerrilha colombiana com a qual o partido tem relação estreita. Como não gozam mais de qualquer simpatia, as mesmas FARCs que chegaram a ser convidadas de honra no nascedouro do Fórum Social Mundial, um dos eixos da articulação internacional do PT, hoje parecem constranger a sigla.
Nas políticas para América Latina, América do Sul e Caribe, por desconhecimento ou má-fé, o PT apaga o passado – como é de costume – ao colocar o partido como pioneiro na integração do Cone Sul. Para arrepio de defensores ferrenhos dos povos latinos como o ex-governador Franco Montoro e dos idealizadores do Mercosul.
É verdade que o Caribe nem em sonho imaginava ser tão aquinhoado pela política externa brasileira. Hoje, com a expansão de embaixadas feitas pelo governo Lula – 39 novas até 2009 e outras cinco criadas este ano –, o Brasil é recordista absoluto naquelas ilhas: temos embaixadas em 12 das 13 nações caribenhas. Um orgulho danado para ilhas minúsculas como São Cristóvão e Névis, com menos de 40 mil habitantes.
Sobre Honduras, o texto limita-se a condenar o que chama de golpe. Omite-se sobre o desconforto de a embaixada brasileira em Tegucigalpa ter virado hospedaria para Manuel Zelaya. E nada diz quanto ao reconhecimento ou não da eleição de Porfírio Lobo. Seria mesmo temerário, já que sequer o governo Lula sabe direito o que fazer.
Como não poderia deixar de ser, o documento reitera a obsessão do PT por conselhos e comissões. Para formar o Conselho Nacional de Política Externa, propõe a realização de uma conferência de âmbito nacional, a exemplo das mais de seis dezenas que já realizou sob os auspícios do governo Lula. Todas pagas pelo contribuinte, resultando em nenhuma real contribuição ao país.
Assim como freou o galope estatizante do pré-programa do PT para a sua candidata, possivelmente o presidente Lula vetará as sandices desse outro panfleto. Mesmo que seja só para evitar uma nova marola para sua Dilma.
Este artigo foi escrito para o Blog do Noblat