Fim de férias

Fico igual barata tonta, rodando em volta da estante de livros, querendo garimpar, no meio dos poetas que me cercam, idéias que me iluminem nesse momento noturno em que os fiéis já deixaram a igreja, agora em silêncio, e a noite desce tranquila sobre os nossos ombros. Os torcedores já voltaram cansados para suas casas e não têm mais ânimo de estourar foguetes em sinal de vitória de seu time ou de derrota do adversário. No máximo tomam uma última cerveja antes de se deitarem pensando nas tarefas da manhã que virá.

O primeiro mês se foi. Fico satisfeito com minha decisão de não sair de casa nas férias. Fiquei livre dos perigos das estradas brasileiras. Ainda chegará um dia em que os presidentes e demais dirigentes da República serão punidos pelo morticínio de nossas rodovias, que matam mais que guerras como as do Iraque e Vietnã. Além de não me arriscar no perigo e nos engarrafamentos dessa época, pude ouvir e ver só o que queria. E não fui massacrado pelo som que invade as nossas praias, pelas filas nas padarias e supermercados.

Mas houve desvantagens. Não saindo do meu lugar, deixei de conviver com pessoas que gosto e estavam pisando nas areias do litoral, corando ao sol e se divertindo. No fundo eu gostaria de estar lá com eles. Não deu para ter tudo o que quero de uma vez. É sempre assim, o natural da existência.

Triste foi a visão do Haiti e das enchentes por aqui. Foi terem calado o piano e o humor do Hélvius Vilela. Alegre foi a volta do pessoal, todo queimadinho, cheio de amor, poesia e disposição.

Posso agora brincar no parque com a menina dos cabelos cacheados. Ela dança ao som dos meninos de Araçuaí e do “ Parangolé” do pessoal do “Emcantar” de Uberlândia. E desenha nuvens, sóis, estrelas e teias de aranha. De tanto acompanhá-la, melhoro meu preparo físico.

Quando ela se vai eu continuo a voar. Me imagino em Sabará, me chamando Sebastião Nunes, que se diz agora ex-poeta e que encanta crianças com sua Editora Dubolsinho. E penso em Chico Alvim, poeta que andou diplomatando na Costa Rica e que lá mais não está, logo agora que eu pretendia conhecer o país do coração civil.

Neste momento, sinto-me cansado da realidade. Recorro aos poetas e aos músicos para continuar. Abraço em pensamento todos os meus amigos, todas as pessoas do meu afeto. E sonho.

Enquanto isso, os candidatos nos prometem o paraíso, como se já não estivéssemos saturados de promessas e um fosso gigante não separasse os cidadãos dos seus representantes. Como o paraíso terrestre não existe, isso nos leva à conclusão que querem que a gente morra. Aqui ó.

 Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas.

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