É isso

Quando do golpe de 64, o que se tentava enfiar no coração dos brasileiros era que havendo discordância com as ações do governo, o motivo era falta de amor ao Brasil e, nesse caso, o melhor era deixá-lo. Foi um slogan cruel, estúpido e que muito me irritou enquanto durou.

Na ocasião, era uma lavagem cerebral para levar os que não saiam por aí com um ‘Brasil Ame-o ou Deixe-o’ pendurado no carro ou nos cadernos ou nas janelas de suas casas a ser considerados, por vizinhos, parentes e amigos de pouca instrução, como traidores da Pátria!

Agora, o pessoal se sofisticou. Quem não concorda com cotas para ingresso nas universidades é racista. Quem acha uma barbaridade o burro do dinheiro que segue para ditadores africanos é, além de racista, um malvado incapaz de ser generoso com um continente ao qual tanto devemos. Quem, como eu, discorda totalmente do modo como foi levado adiante o Mais Médicos é preconceituoso contra os cubanos, pérfido com os brasileiros desfavorecidos, egoísta por ter todas as vantagens e não querer que outros também as tenham.

Se não concordamos com uma obra pública que parece gritar “não vai dar certo!”, tudo vai depender do seguinte: se for no Nordeste, é porque odiamos os nordestinos; se for em Tupinambá-das-Águas-Podres, é porque odiamos os pobres.

Mas tem pior: se aprovamos ou não este ou aquele jornal ou jornalista, logo aparece um animadíssimo “filho de marqueteiro” para nos rotular disso ou daquilo.

Leio neste Blog (o Blog do Noblat) coisas do arco da velha. Cito algumas: Luiz Garcia assinou o artigo “O erro de esquecer” em 23/8. Logo apareceu um sabichão para lhe dar um conselho: “Acho ruim quando uma pessoa com menos de 60 anos fica falando mal dos governos militares. Converse com quem viveu esse período, meu caro colunista, na sua família deve ter tios, avós, que podem lhe dizer como era o Brasil naquele tempo”. O douto leitor esqueceu-se de dar o endereço de um bom Centro Espírita para que o Luiz, um garoto de 77 anos, fosse procurar no além as opiniões de seus maiores.

LFVeríssimo, sem favor algum o maior herdeiro da longa tradição de brilhantes cronistas brasileiros, é xingado de tudo porque algum marqueteiro um dia disse que ele é comunista, anti-americano e fascista. Será que já conversaram com seus três sobrinhos judeus americanos, filhos de sua única irmã?

Noblat, o dono do Blog e, portanto, nosso hospedeiro, não pode dizer o que pensa e o que sente sem ser chamado ora de petista, ora de tucano, ora de empregado obediente aos patrões. A ninguém ainda ocorreu que ele pensa com sua cabeça!

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Ilustração: Sponholz

Agora, novo tema palpitante: o diplomata que ousou decidir. Na Folha, leio a opinião de Janio de Freitas: achou o boliviano roliço, bem disposto, bem tratado… Ficou tranquilo quanto à saúde do ex-prisioneiro. Discordo do jornalista, mas nem por isso sugiro que a Folha o demita! Ainda não pirei.

Sei que se pode estar estressado e engordar. É o que se passa comigo. Sei também que Eduardo Saboia e seu pai têm todo o direito de estar preocupados com o que acontecerá com o diplomata que se preparou para tudo, menos para ser carcereiro. Como sei, desde 64, que o Itamaraty, quando quer, pode ser mau paca. Encostam o sujeito nos corredores da Casa, com salário mas sem função, assim tipo pária. Ou o enviam para Galápagos, a fim de se entender com as tartarugas.

Tem outra coisa que sei: não amo o Brasil de hoje, assim como não amei o de 64. E por quê? Porque na verdade são univitelinos. E eu não gosto de ditadores.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 30/8/2013. 

2 Comentários para “É isso”

  1. A democracia nunca prosperou na América Latina, Maria Helena. Passamos dos caudilhos populistas, como Peron, Getúlio e tantos outros, para as ditaduras militares de direita. Agora está na moda o tal de bolivarianismo, aceito por aqueles que parecem ter estado dormindo enquanto a cortina de ferro enferrujava e o muro de Berlim caia. Nossos breves intervalos de experiências democráticas nunca conseguiram grandes avanços no Brasil ou nos nossos vizinhos. Na verdade, o que faz sucesso por aqui é o autoritarismo, seja de esquerda ou de direita. Admira-se o Estado forte, que controle a economia, a imprensa e demonize qualquer tipo de oposição. É surpreendente a quantidade de pessoas que elogiam, indiscriminadamente, ditadores, antigos ou atuais, de qualquer matiz político. Somos o povo que apoiou Getúlio entusiasticamente em sua fase fascista, quando ele namorou e quase casou com o nazismo, enquanto perseguia esquerdistas. O mesmo povo que tanto chorou a morte do “velhinho” na época em que ele considerava mais conveniente um discurso populista de esquerda. Na nossa vizinha Argentina, a mesma esquerda que admira Fidel tem como herói Peron, que tanto se inspirou no fascismo de Mussolini e Hitler. A nova geração de ditadores, nos quatro cantos da terra, parece ter descoberto que hoje basta um discurso anti-americano, anti-ocidental, para obterem aplausos de grande parte da esquerda e da direita, independentemente dos crimes que possam cometer. Isso faz com que um fascista, admirador confesso do nazismo, como Ahmadinejad, receba apoio de meus amigos petistas, incapazes de perceber, também, como Chaves reencarnava Mussolini. Realmente, o autoritarismo parece ser muito mais fácil de ser digerido. O complicado é disseminar conceitos como liberdade e democracia, que significam, antes de tudo, o direito que o outro tem de expressar uma opinião diferente da nossa (ou do governo), sem sofrer nenhuma represália por isso. Sem ser demonizado por divergir. Como diriam os mineiros, essa tal de democracia “é muito custosa”. Vamos torcer para que ela sobreviva no Brasil, apesar de a torcida contrária estar ficando cada vez mais assanhada.

  2. Otimos textos. Exprimem aquilo que é o mais importante: a necessidade da sociedade dialogar e se afastar do autoritarismo, se aproximar de idéias progressistas e afastadas do ranso, quer de direita e quer de esquerda.
    Os cubanos não são culpados pelos Castro,nem os brasileiros são todos herdeiros de Vargas. Demonizar Sarney,Collor, FHC, Lula e Dilma é perigoso. Igualá-los aos ditadores de 64 é demais.

    Obrigamo-nos a um alerta, parafraseando Luiz Carlos, inspirado nos sãbios mineiros:

    -“essa tal de democracia “é muito custosa”. Vamos torcer para que ela sobreviva no Brasil, apesar de a torcida contrária estar ficando cada vez mais assanhada”.

    Amo o Brasil, nosso diálogo, em português, irá reduzir nossas mazelas sociais e políticas, afastando os facistas, os retrógados, os urubus a espera das carniças.

    Temos cultura própria, riquezas próprias e abundantes, somos autosuficientes em solidariedade, não devemos reduzir nossa fraternidade.

    Temos que dialogar, nossa política é dialogar sempre, divergindo sempre, sem perder a ternura.

    Desde 1500, fomos colonizados, roubados e explorados, mas adquirimos, por miscigenação, uma maneira própria de viver a vida, como diria Gonzaguinha, é bonita, é bonita e é bonita. NÃO temos vergonha de ser feliz, apesar dos pesares.

    Somos ricos, temos gás e não precisamos do gás da Bolívia, somos ricos, temos petróleo e precisamos do petróleo árabe, temos cultura e não precisamos da cultura americana, não temos médicos, vamos importá-los, por enquanto.

    Formaremos mais médicos, com certeza, por enquanto devemos torcer no sucesso do programa mais médicos. Mesmo que este sucesso seja nojentamente apropriado pelo “lulopetismo”.

    Do meu canto, torço pelo programa mais médicos, mas tenho a esperança que o povo consiga escolher melhor em 2014.

    Desde já declaro meu voto na esperança.
    Marina’S NELES!

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