Vera Siqueira é uma das pessoas mais maravilhosas que eu conheci – e, diabo, tive a sorte de conhecer muita gente boa…
Vera tem o coração maior do mundo.
Fada, bruxa boa, foi o anjo da guarda da minha irmã Nilze durante – ih, sei lá, mais de três décadas.
Com seu toque de fada, cuidou da minha filha numa época em que enfrentava enxaquecas terríveis. Diminuiu o sofrimento da Suely, mãe da minha filha, durante o enfrentamento do câncer.
Bruxa boa.
Vera é a alegria, sintetizou o Wlá, amigo dela desde sempre.
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Escrevi isso no Facebook , no início da tarde desta sexta-feira, 24/1, algum tempinho depois de receber do Wlá a notícia da morte da Vera.
Usei o tempo presente – “Vera Siqueira é…”, “Vera tem o coração” – porque ela vai continuar sempre entre nós.
Foi só um tanto mais tarde, ao ver que algumas pessoas comentavam o post como se fosse o aniversário da Vera, que percebi ser necessário acrescentar uma frase clara, nítida. E acrescentei:
“Foi embora sem sofrer. É o que me consola.”
Foi embora sem sofrer. Uma grande amiga, de Belém do Pará, estava hospedada na casa dela – aquele apartamento tão absolutamente cheio de plantas e pedrinhas e coisinhas lindas dos mais diversos tipos, que visitei muito menos vezes do que deveria. Haviam passado a quinta-feira conversando, conversando, conversando. Lá pelas 4 horas de quinta para sexta, Vera foi tomar seu tradicional banho madrugadal – e teve um enfarte fulminante;
Não daqueles dolorosos, como o de Joe Giddeon do All That Jazz, o alter-ego de seu criador, Bob Fosse – que aliás viria a morrer exatamente de um enfarte, anos depois. Mas um fulminante, definitivo, rápido.
O Wlá, como bom espanhol, é praticante fervoroso da religião Não Existe Deus Porra Nenhuma. Eu, que tinha virado agnóstico no início da adolescência, e a cada dia mais reverencio o Ser Supremo, tive a certeza de que Ele cuidou da saída de Vera deste mundo aqui com o mesmo carinho com que ela cuidava de seus pacientes.
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Sempre tive a absoluta certeza de que minha irmã Nilze conseguiu viver até os 75 anos porque a Vera existia. Se não fosse pela Vera, ela teria seguramente ido embora muito mais cedo.
Apesar disso, não me ocorreu falar com meus sobrinhos sobre a morte da Vera. Foi minha filha que – sempre sensível, sempre atenta, sempre perspicaz, me deu um toque, tipo Pai, já falou com os filhos da Nilze?
Mandei para todos os três um “oi, tudo bem? como está?”, e fiquei à espera das respostas. Da California, Valeria respondeu – e já havia visto a notícia da morte da Vera no Facebook.
Enquanto eu conversava com a Valeria nas mensagens, surgiu uma da Claudia, do Rio: “Oiê. Tudo ótimo! Filipa nasceu!!! Você deve ter visto no instagram do Guido.”
E logo em seguida, Vovó babante como tem que ser, mandou dez fotos da Filipa, a primeira neta.
Carlos Alberto respondeu mais tarde. Não estava sabendo. Ficou triste, quer ir ao enterro.
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Fiquei pensando em João Cabral, em Morte e Vida Severina. Morte e Vida vai crescendo, crescendo, crescendo, até o final em que, logo após uma morte de uma pessoa, nasce uma criança. Uma vai, outra chega. Em Morte e Vida, João Cabral vai além da oposição teístas x ateus – talvez a poesia seja maior que a filosofia.
— Severino, retirante, deixe agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e da vida; nem conheço essa resposta, se quer mesmo que lhe diga é difícil defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê, Severina mas se responder não pude à pergunta que fazia, ela, a vida, a respondeu com sua presença viva. E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida; mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida; como a de há pouco, franzina; mesmo quando é a explosão de uma vida Severina.
Filipa, a primeira bisneta da minha irmã Nilze, não terá uma vida severina, de forma alguma. Muito antes ao contrário – mas não é isso que importa.
Importa é que Vera chegou chegando lá em cima, muitíssimo bem recebida pelos anjos, já que, cacete, é uma deles… Depois de receber muitos cumprimentos, checar suas novas acomodações, foi atrás da Nilze. Uma beleza de encontro, e tal e coisa – e depois ficaram olhando as fotos da Filipa. Encantadas.
24 e 25/1/2025