Muito estranha a “soltura” de um criminoso de colarinho branco — ex-senador, ex-presidente da República e ex-governador — quando mal começava o cumprimento da pena de 8 anos e 4 meses imposta pelo Supremo Tribunal Federal, após dois anos de embromações da defesa.
Não ficou sequer uma semana preso. Meros seis dias.
A decisão apequena o STF, a PGR e o próprio ministro emissor da ordem, Alexandre de Moraes.
Está na cara, como se diz em qualquer das esquinas do país, que a decisão foi um arranjo para livrar o meliante.
O mínimo que o STF e PGR deveriam ter feito para manter a compostura era constituir uma junta médica para examinar o paciente (no sentido jurídico da palavra) sobre os terríveis males que o afligiam, conforme o tenebroso arrazoado dos advogados.
Ao contrário, acreditaram piamente e em tempo recorde nas supostas alegações, como se fossem verdades científicas absolutas. Os laudos médicos inseridos são, no mínimo, duvidosos — por este escriba ser respeitoso. Fosse eu descendente de humoristas, estaria aqui dizendo que eram uma piada.
De fato, como acreditar que tenham sido produzidos — verdadeiramente produzidos — no curtíssimo período de um ou dois dias, mal o paciente se instalara nas suas novas habitações?
Pior. Na audiência de custódia, indagado pelo juiz sobre sua saúde pretérita, o indivíduo respondeu que não tinha nem nunca teve nada, que não tomava remédios e sua saúde era muito boa.
Horas depois, o homem aparece com males “terríveis”: doença de Parkinson, apneia do sono em grau máximo e bipolaridade afetiva, as quais obrigavam o infortunado a viver no médico e a tomar bateladas de remédios de uso contínuo.
É para rir ou chorar?
Custa crer que Xandão e Gonet não tenham nem pestanejado. Sequer cogitaram chamar um solitário clínico geral do Judiciário para ir à penitenciária das Alagoas e examinar o pobre diabo recém chegado.
Penso até que deveria ser uma junta médica com psiquiatra competente e experimentado, já que o homem no dia anterior havia se declarado com saúde a toda prova. Ou é louco ou é doido — das duas, uma!
A “soltura” em duas penadas — a da PGR e a do STF — ofende a nação, estupra a razão e reduz os mais inteligentes a palhaços ao redor do picadeiro. E lança dúvidas sobre o que hão de fazer após o julgamento e trânsito em julgado de outro meliante ilustre que esperneia por anistia sem — no dizer dele — ter cometido crime algum.
Por fim, não vi nenhum jornal dar o devido destaque ao fato, que merecia manchetes garrafais em oito colunas, não digo na capa, mas ao menos em página ímpar, na 3 ou na 5 do primeiro caderno, e com chamada com título em bold na primeira.
É o que eu faria nos meus tempos de diretor de Redação.
Velhos tempos!
Nelson Merlin é jornalista aposentado e, nos velhos tempos, diretor de Redação nos jornais Folha de Londrina, do Paraná, e Diário do Grande ABC, de São Paulo, após profícuas passagens como editor na FSP, Estadão, JB e O Globo (neste como copy de Politica e Nacional). Menciono-os não à procura de novo emprego, Deus me livre deste cálice, mas para sustentar que já vi de tudo um pouco neste mundo sem porteira.
3/5/2025