Nenhum governo logra êxito se sua estratégia se baseia em um diagnóstico equivocado da realidade. Esse princípio, elementar da política, mais uma vez comprovou sua assertividade com a divulgação da última pesquisa Datafolha. A leitura de Lula, segundo a qual as dificuldades de seu governo decorrem de erros da comunicação, é altamente errônea para explicar a queda de 11 pontos em sua aprovação. Mais grave: essa queda se deu, principalmente, entre os eleitores mais pobres, mulheres e no Nordeste. Em seu eleitorado cativo, o tombo foi de 20 pontos.
São números eloquentes, indicadores de que até mesmo no seu eleitorado histórico se espraia uma espécie de fadiga de material, como se a maioria dos brasileiros estivessem cansados da figura de Lula. Medidas como Bolsa Família já não tem o mesmo apelo do passado. Deixaram de ser benesses do governo de plantão, se transformaram em política de Estado.
Com base em premissas falsas – como a de que bastaria comunicar melhor para o povo perceber que o governo fez muitas entregas –, adotou-se uma estratégia baseada em mais viagens pelo Brasil (as “caravanas” do passado). Além de apostar na comparação de seu governo com o de Bolsonaro (o nós contra eles de sempre) e assumir o protagonismo do debate político por meio de entrevistas aos meios de comunicação.
Nem Sidônio Palmeira, arquiteto da nova estratégia, deve acreditar que ela será suficiente para reverter o quadro revelado pelo Datafolha. O problema não é de comunicação. É de falta de um rumo, de propostas claras e de sintonia com as novas demandas do mundo.
Fatores conjunturais, como a crise do PIX e a inflação dos alimentos, também contribuíram para a erosão da aprovação do governo. Sem contar as contribuições do próprio Lula para aumentar seu desgaste, como a declaração sugerindo aos brasileiros trocar alimentos caros por mais baratos. Para quem prometeu colocar picanha no prato das famílias o conselho soa como provocação.
Hoje, a imagem de Lula é a descrita por Dora Kramer em sua coluna na Folha, “as pessoas não estão gostando deste presidente que volta ressentido, divisionista, negacionista dos erros, desconectado da realidade, ufanista de si”. Esse presidente encastelado no palácio do Planalto, cercado de auxiliares que tem medo de contrariá-lo, nem de longe é o animal político de antigamente.
Parceiros históricos, como o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, lamentam em tom de nostalgia: “Mas o Lula do terceiro mandato, por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem ao seu lado pessoas com capacidade de falar o que ele teria de ouvir. Não recebe mais os velhos amigos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política”.
Cáustico, o antigo amigo íntimo parece ter jogado a toalha ao se referir a 2026: “perder uma eleição é muito difícil, mas o Lula está se esforçando muito para perder. E não duvidem dele, ele vai conseguir.” Óbvio, há uma dupla de sujeitos ocultos em sua crítica: Janja e Rui Costa.
A mudança da personalidade de Lula é um fator, mas há causas mais de fundo, decorrentes de escolhas equivocadas. Vejam o caso da inflação dos alimentos. Além dos fatores sazonais, pesou a opção de Lula de estimular o crescimento da economia pelo lado da expansão do consumo. Como não houve aumento da produtividade, instalou-se o desequilíbrio entre a oferta e a procura.
O modelo econômico de Lula baseia-se na expansão dos gastos públicos, agravando a dívida pública e forçando o Banco Central a manter a alta de juros para defender a moeda. Por resistência do presidente, avesso à responsabilidade fiscal, a política econômica não levou ao crescimento sustentado. Isto implicaria em realizar o ajuste necessário já no início do seu governo para agora colher os frutos. Mas sua propulsão pela gastança dinamitou as boas intenções do ministro da Fazenda Fernando Haddad.
O segundo erro estratégico foi não dar uma resposta satisfatória à nova demanda das camadas mais pobres e da nova classe média, que ganha até cinco salários mínimos, que esteve presente nas manifestações de 2013, constatada por pesquisa da Fundação Perseu, do PT, nos idos de 2016. O governo não se atentou para o anseio por serviços públicos de qualidade e ao desejo das pessoas e famílias de progredirem por meio do empreendedorismo. Nada mais emblemático do descolamento da nova realidade do que o tratamento inadequado da questão do enorme contingente de brasileiros cuja atividade econômica acontece por meio de aplicativos.
Fora algumas iniciativas isoladas, Lula e seu partido também não conseguiram estabelecer pontes com os evangélicos, apesar de o presidente ter lido o livro O Povo de Deus, do antropólogo Juliano Spyer, publicado em 2020. Hoje, Spyer observa que o governo e a esquerda “tem um bloqueio psicológico para lidar com brasileiros pobres insubmissos, como os evangélicos.”
No plano da política, o governo Lula não é a expressão da Frente Democrática que o elegeu e cuja missão maior deveria ser a pacificação do país. Basta olhar para seu núcleo palaciano, todo ele petista puro-sangue. O presidente também se empenha em manter acesa a polarização com Bolsonaro, por considerá-lo o adversário ideal para 2026.
Conseguirá Lula reconquistar os eleitores que perdeu? Em política, tudo é possível. Mas será muito difícil. Teria de promover mudanças profundas, se conectar com as novas demandas planetárias, adotar objetivos claros a serem perseguidos, dar um rumo ao seu governo. Mais importante: abrir-se para ser um governo efetivamente de Frente Democrática, de partilha o poder, estabelecendo uma relação republicana com o parlamento.
Sem ter esse norte, há o risco de querer resolver a questão apostando numa reforma ministerial como boia de salvação. Ou radicalizar seu instinto populista, cedendo ao seu braço esquerdo que clama de forma radical por um cavalo de pau na política econômica.
O certo é que o incerto se estabeleceu no governo. Nada está garantido. Nem mesmo se Lula será candidato a reeleição. Se sua aprovação estiver no padrão de Dilma no fim de mandato, se poupará do vexame para preservar sua história. Até lá, temos um governo perdido em seus labirintos e isolado no Palácio do Planalto.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 19/2/2025.