Nada como uma tornozeleira para fazer cair a ficha. Após sentir a existência da dita cuja na canela, o ex-tenente terrorista, ex-capitão, ex-deputado porra-louca, ex-presidente da República e ex-candidato em 2026 declarou que agora sim tem certeza que vai ser preso.
Finalmente!
Aleluia!
O insight deve-se, na humilde opinião deste escriba, além da canela, ao súbito reconhecimento de que Mister Tramp e Bananinha — com o perdão da palavra, que em bom português lusitano não é palavrão — foderam com o Jair. O filho recebeu de papai uma bolada de R$ 2 milhões para a atual empreitada neogolpista, gastou tudo, errou a mão e jogou o velho no fundo do poço. O Tramp foi lá e jogou uma pá de cal.
E a tornozeleira nem foi pelo processo contra o núcleo 1 da tentativa golpista em julgamento no STF, mas pelo inquérito recém aberto contra o Bananinha, que jura ter sido ele que fez a cabeça de Mister Tramp para afrontar o Brasil com uma chantagem explícita: ou livramos o Jair ou vamos pagar sobretaxa de 50% nas exportações para os EUA.
Nem o Jair acreditou. No primeiro dia ficou deslumbrado com a gentileza de seu ídolo. Mas no segundo, ante a grita do agro e da indústria, enrolou a língua e começou a lamentar o prejuízo que todos vamos ter.
Só que o (quase) arrependimento durou pouco. No terceiro dia, lá estava ele posando de bozão e se oferecendo a Xandão e a Lula — “esse homem não tem coração?”
Queria que o mandassem resolver o assunto tête-a-tête com o Mister em Maralago. Ora, que eu saiba só Cleópatra, na versão de Hollywood, se deixou picar pela serpente.
Xandão e seus pares não deram nem tempo de Lula responder. O pedido foi considerado esdrúxulo — que no diplomatês e no juridiquês significa uma estupidez, no mínimo um disparate — e negado sumariamente. No STF ninguém dorme com serpentes embaixo do cobertor.
Outras fontes em Brasília qualificaram o referido pedido como maluquice. Outras ainda, mais astutas, disseram que o ex-capitão quis dar uma de mané, pegar o passaporte e dar no pé…
Fico com essa última. O ex-tenente terrorista de quartel não tem nada de bobo. É burro, mas não é bobo. Trata-se de um picareta oportunista que não deixa passar uma chance sequer de tirar proveito da situação, seja ela qual for. Assim se elegeu presidente. Não por seus méritos, mas por um momento de baixa excruciante do PT e suas lambanças na Petrobras — de mãos dadas com o PP dos Bolsonaro, o PMDB e demais partidos da base alugada. Que não nos esqueçamos da aliança mafiosa.
Não há relatos sobre como o ex-presidente recebeu a Federal em sua casa, não sei se ao raiar do dia ou em hora mais avançada. O que sei é o que vi e ouvi da senadora Damares ao contar o fato ao microfone, não sei bem onde, mas ela estava com um olhar esbugalhado, o que não é novidade, e visivelmente chocada, falando grosso e sacudindo a cabeleira pra lá e pra cá, a fim de dar maior ênfase a sua indignação.
Em resumo, disse que a dona da casa foi pega de pijama! Que vergonha! E que os federais, armados até os dentes, causaram grande constrangimento à madame e à família.
Eu sempre achei que o melhor da federal nessas horas era o japonês. Chegava quietinho, não fazia cena, anunciava-se com três toc-toc firmes mas suaves na porta, dava tempo de o investigado terminar o café, acompanhar a diligência pela casa e, por fim, vestir a roupa e aboletar-se no banco de trás da viatura. Nada de armas em punho. Tudo muito ordeiro e discreto.
Bons tempos aqueles. Não se fazem mais japoneses como os de antigamente. Agora, a PF vai logo entrando casa adentro, mostrando os mandados e revirando tudo. Não dá tempo nem de respirar. Os bons modos deram lugar à eficiência e cumprimento imediato das ordens judiciais.
Deve ser porque da última vez que agiram com bons modos levaram bala do Roberto Jefferson, as viaturas foram furadas a tiros de fuzil e seus ocupantes escaparam da morte por milagre.
A eficiência chocou tanto a Damares que ela esqueceu de contar todos os fatos havidos. Conto eu. Os federais apreenderam um maço de US$ 14 mil e outro de R$ 8 mil, tudo cash, como a famiglia gosta. A procedência e a finalidade são mistérios que a PF haverá de desvendar. Aposto minha caneta Parker 1958 que estava juntando a grana para dar no pé ou reforçar o orçamento do pimpolho no Texas.
Também acharam uma pen-drive numa gaveta do banheiro e levaram o celular do patrão, que disse não saber o que a pen-drive fazia dentro do banheiro. Deve ter coisa boa nela e no telefone.
Damares não ficou curiosa, nada disse sobre essas coisas, apenas chocou-se porque a dona da casa estava de… pijama! Na frente daqueles homens fortes e armados!
Imagino que a pudica senadora esperava que madame estivesse toda arrumada, os cabelos penteados, os lábios pintados, o panqueique e o rímel na medida, o perfume inebriando a mansão. Os pés, por sua vez, calçados com sapatos Loboutin salto agulha e não as populares sandálias havaianas com os dedos de fora.
Não, madame estava de pijama! Suprema humilhação!
Damares concluiu sua fala conclamando a “nação conservadora” a seguir as ordens de sua líder, agora que o patrão “vai silenciar por um momento”, sem se fazer clara quanto ao real significado da última palavra.
Momento, para os vis mortais, pode ser um minuto, dois talvez, quando muito três. Mas no mundo dos seres imaginários de Damares, momento pode ser uma eternidade.
Oxalá meu palpite esteja certo. Seria uma benção se o ex-de-tudo der uma folga e nos poupar para sempre de suas estridências extremistas e teorias conspiratórias.
Mas o que eu quero mesmo, de verdade, aqui e agora, é o silêncio do cárcere.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e crente na justiça dos homens, sem esperar que a justiça divina venha em nosso socorro para tapar os buracos da nossa imperfeição.
19/7/2025