O maior chefe da extrema direita mundial, empossado em 20 de janeiro passado na Casa Branca, gestou um arqui-inimigo que, de apoiador e banqueiro na sua eleição, acaba de anunciar a criação de seu próprio partido político para enfrentar o ex-patrão.
A traição pode custar-lhe a deportação para a África do Sul, já verbalizada pelo ex-chefe, mas ele está disposto a seguir em frente. Isso é ótimo para as forças democráticas num país que está rachado de costa a costa. Antes, a extrema direita parecia um bloco só.
Quanto mais se dividir, melhor para a democracia, lá e no mundo. Mesmo que a divisão seja promovida por outro maluco — o que não é surpresa nenhuma, porque só tem maluco nesse arraial.
Pode-se medir o grau dessa insanidade pelo sobrepreço tarifário de 50% a todos os produtos brasileiros que entrarem nos EUA a partir de 1º de agosto. Qualquer que seja o produto, de uma agulha de costura a um jato da Embraer. A nova tarifa vale também para produtos já taxados em 25%, como aço e alumínio. Agora, vão pagar 75%.
A sandice aparece claramente em três motivos. O primeiro e principal deles é o Brics, do qual o Brasil é um dos cinco fundadores. A extrema direita tem arrepios quando se vê diante de blocos independentes sobre os quais não tem nenhum controle. E, para piorar, três dos cinco fundadores são potências nucleares. E duas podem peitar Tio Sam de cima de um arsenal de megatons capaz de apagar os EUA do mapa — embora isso signifique também a aniquilação de todas as formas de vida no planeta por milhares de anos, talvez para sempre. Segundo estudos, sobrariam apenas as baratas.
O mister do Salão Oval treme nas bases só de pensar que o Brics pode criar uma moeda própria, como a Europa criou o euro, e, pior que tudo, abolir o dólar das relações comerciais intra bloco. Esse, aliás, era um dos sonhos de Brasil, Argentina e Uruguai ao criarem o Mercosul, e quando esteve em Buenos Aires dias atrás, para assumir a presidência do bloco pelos próximos seis meses, o presidente Lula relembrou esse sonho, ainda distante. Deve ter provocado mais arrepios nos nervos tensos do presidente norte-americano.
A segunda sandice para o fricote do mister é misturar comércio e déficit comercial com política. Os EUA tem superávit de US$ 1 bilhão no comércio com o Brasil — um dos poucos países que lhe dão essa vantagem — e ainda assim ele acha que somos um parceiro ingrato.
Acha pouco, quer mais, muito mais! O déficit orçamentário dos EUA está na casa dos trilhões e ultrapassou há muito os 100% do PIB de lá. O que o Brasil tem com isso? Nada! A não ser um presidente de centro-esquerda-direita que tem outras preocupações e prioridades.
O comércio dos EUA com o Brasil é um pingo d’água no oceano de transações dos EUA com o resto do mundo. Mas o mister da Avenida Pensilvânia está atacando os bolsos de países abaixo da linha da pobreza, na África e no sudeste da Ásia. Sua sandice é global e globalizante. Todos são inimigos, o rico, o roto e o esfarrapado, até que provem o contrário curvando-se aos caprichos do chefe do império.
Os EUA taxam e os outros, se taxarem também, terão as tarifas aumentadas na mesma proporção. Essa é a nova lei. Al Capone fazia a mesma coisa no submundo do crime em Chicago, nos anos que eles chamam de dourados.
A terceira e, talvez, última sandice é misturar ao comércio bilateral seu irresistível quebranto pelo ex-capitão golpista, ladrão de jóias, falsificador de carteirinha de vacinação, condecorador de milicianos assassinos, propagandista da tortura, defensor de garimpeiros e madeireiros ilegais, genocida da nação yanomami, sabotador de medidas sanitárias do Ministério da Saúde em seu próprio governo e responsável por ao menos metade das 700 mil mortes de Covid no Brasil, ao propagar o uso de medicamentos sem eficácia contra o vírus, produzidos então em larga escala por laboratório que lhe deu muito dinheiro na campanha eleitoral de 2018.
Esse namorico de portão de quartel, que seria cômico não fosse trágico, ilustra o que passa nos miolos flácidos do atual inquilino da Casa Branca. Trata-se de um Napoleão de hospício dando a mão a outro Napoleão do manicômio ao lado para passearem no jardim.
“Meu nome é Donaldo, que papai me deu” — diz o primeiro, apresentando-se faceiro ao outro, que responde: “E o meu é Jair Messias, que Deus me deu”. Ao que,Donaldo retruca, admirado: “Quem, eu?”
De todas as sandices, é a menor. Mas taxar em 50% as vendas dos nossos capitalistas para lá só porque o nosso Napoleão vai para a cadeia logo mais — por ordem do Judiciário, que aqui é independente —, isso não tem pé nem cabeça.
Com a palavra, os nossos capitalistas!
Nelson Merlin é hornalista aposentado e macaco de auditório de Ariano Suassuna, de quem adaptou o chiste ao final desta coluna.