Pá de cal

Didática e sem nenhuma brecha para interpretações fora da casinha, a peça final de acusação ao núcleo 1 da tentativa de golpe de 2022/23, lida com fleugma britânica pelo PGR  Paulo Gonet, desce uma pá de cal sobre o túmulo dos cadáveres que, em vida, atentaram contra a democracia e a liberdade no Brasil, ao longo do último e infeliz desgoverno que a maioria tresloucada do eleitorado nacional impôs pelo voto ao país. 

Todos, dos eleitores aos malfeitores, sabiam o que queriam ao votar no ex-capitão terrorista e golpista em 2018. Ele nunca escondeu seu intento. Sua eleição não foi um estelionato eleitoral. O estelionato foi, sim, o seu cagaço em levar o golpe adiante após a recusa dos comandantes do Exército e da Aeronáutica. Bastava demiti-los e nomear outros verdadeiramente golpistas como ele aos respectivos  cargos. 

Gritão mas pusilânime, o ex-capitão capitulou no último ato. O motivo é mais psiquiátrico do que político. Ele tinha o Congresso e o Executivo entre os dedos de sua mão para dar o golpe, mas as pernas, ou as mãos, tremeram. 

Por quê? 

É a pergunta que não quer calar. Não sou psiquiatra nem psicanalista ou padre de confessionário para dizer,  mas posso garantir, com base no Analista de Bagé, de LFV (que Deus o tenha), que o cara que vive alardeando ser o mais imbroxável da paróquia é, na verdade e no mínimo,  um frouxo. 

Quase metade do Brasil não acha, acredita mesmo que está diante do Imbroxável-mór da República, e isto também não é assunto para a Política, talvez seja para a Polícia, mas com certeza o é para a Psiquiatria Social. 

Séculos de escravidão, colonialismo, dominação e frustrações forjaram o DNA dos brasileiros não para a resistência, mas para a subserviência aos poderosos e seus demagogos de plantão. 

A frouxidão é uma marca nacional. Está na malemolência dos macunaímas, dos malandros, dos otários, dos canalhas, dos espertos da classe A, que se formaram em ganhar dinheiro nas costas dos mais fracos. Precisam desses porque são frouxos os que não têm competência para crescerem por si e honestamente. Quanto aos demais, são frouxos por se manterem nesse estado de coisas secular e, para piorar, muitos têm se convertido a essa figura triste e “moderna” do pobre de direita — aquele que vota no candidato do patrão pensando que vai crescer na vida como ele. 

Esses são os eleitores da direita, os que têm medo da vida e confiam que os autoritários e golpistas vão defendê-los e libertá-los. 

O que faltou no relatório de Gonet, por incabível no momento, foi o reconhecimento de que o golpismo está no core, na medula, no DNA de quase metade da população brasileira — o que se vê não só nas pesquisas de opinião, mas na quantidade de votos da direita nas eleições de 2018 e 2022. 

Minha esperança, a poucos meses dos 80 anos de idade, é que a outra metade se imponha novamente e nos salve do caos. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e ainda crente na racionalidade de uma parte consciente da população brasileira. 

2/9/2025     

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