Há 30 anos, o Brasil iniciava sua marcha rumo à estabilização da economia e da modernização do Estado, com a posse de Fernando Henrique Cardoso em 1.º de janeiro de 1995.
Éramos o país do Estado hipertrofiado, de estatais ineficientes e deficitárias. Da hiperinflação, da falta de compromisso com a austeridade e da inexistência de fundamentos macroeconômicos imprescindíveis para o crescimento sustentado e atração de investimentos externos.
A inflação penalizava sobretudo os mais pobres e, na casa de três dígitos, significava uma brutal transferência de renda para os mais ricos. A gastança por parte do poder público gerava um Estado sem poder de investimentos, cujos recursos estavam comprometidos com uma máquina burocrática e ineficiente.
Na área social, o Brasil nem sequer contava com um mecanismo de financiamento da educação ou um sistema de avaliação da qualidade do ensino para formular políticas públicas. Havia ainda o desafio de retirar do papel as conquistas do Estado de Bem-Estar Social, determinadas pela Carta Magna de 1988.
FHC assumiu a Presidência com o desafio de enfrentar essas questões e, em oito anos de governo, conseguiu transformar o Brasil. ]
O Plano Real, lançado um ano antes sob sua liderança, estabilizou a moeda, protegendo o poder aquisitivo da população, e gerou no País uma cultura anti-inflacionária. Isso era e é fundamental para a atração de investimentos produtivos.
O tripé econômico – superávit primário, meta de inflação e câmbio flutuante –, indispensável para combater a inflação, hoje é unanimidade. Tais fundamentos deram credibilidade e previsibilidade à política macroeconômica.
A modernização do Estado logrou êxito com as privatizações e a quebra de monopólios, como aconteceu na área de petróleo e gás. Nas telecomunicações, saímos da era do “orelhão” para termos 251 milhões de celulares, mais do que um aparelho por habitante. A criação das agências reguladoras concretizou a transição de um Estado interventor para regulador com proteção aos consumidores.
O controle dos bancos estaduais, logo no início do governo, e o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer) asseguraram a estabilidade do sistema bancário e evitaram uma crise sistêmica no setor.
A Lei de Responsabilidade Fiscal tornou-se uma política de Estado, muito embora torpedeada por uma visão de governos sucedâneos ao de FHC de afrouxamento e de descompromisso com o equilíbrio das contas públicas.
]As reformas fortaleceram a confiança internacional, atraindo investimentos estrangeiros diretos e consolidando o País como uma economia emergente. A política externa, moderna e coerente, devolveu ao Brasil o papel de interlocutor privilegiado.
FHC realizou um governo de bem-estar social, com avanços importantes em áreas como a da saúde, na qual foram implementados, na gestão de José Serra, os genéricos, o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), a quebra das patentes dos medicamentos e o programa exemplar de combate à aids.
Na educação, reformas estruturantes foram responsáveis pela universalização do ensino fundamental e pela criação de um moderno sistema de avaliação. Acrescente-se ainda os programas de transferência de renda, iniciados em seu governo e ampliados posteriormente, e o trabalho da Comunidade Solidária, estruturado e implementado por Ruth Cardoso.
O governo respeitou as instituições, consolidou uma convivência pacífica entre os Três Poderes e evitou crises políticas que ameaçassem a ordem democrática. As reformas estruturais, como as privatizações, foram debatidas e negociadas com o Congresso, promovendo uma cultura de diálogo entre os Poderes, mesmo em meio a divisões partidárias. Tudo em meio de sucessivas crises internacionais e nos governos subnacionais.
]O período foi também caracterizado pelo fortalecimento da liberdade de imprensa, com críticas ao governo sendo tratadas dentro do respeito à liberdade de expressão, o que reforçou o papel fiscalizador da mídia e o debate público.
Nesses tempos, FHC contou com parceiros políticos fundamentais, como Mário Covas, governador de São Paulo, que compartilhou sua visão de modernização e austeridade. Covas foi um exemplo de liderança ética e eficiente, ampliando os avanços do governo federal em nível estadual.
Trinta anos depois de ter transformado o Brasil a partir de um plano de governo moderno, uma equipe de altíssima qualidade e de se manter firme em princípios, o legado de FHC permanece.
Além de reformas significativas, ele nos deixou valores imateriais essenciais, como sua capacidade de construir pontes, sua habilidade para reduzir crises e sua contribuição decisiva para o fortalecimento das instituições e consolidação de uma convivência republicana, essencial para o avanço da democracia.
Este artigo foi publiocado originalmente em O Estado de S. Paulo, em 22/1/2025.
(*) Andrea Matarazzo é ex-embaixador do Brasil na Itália, ex-ministro chefe da Secretaria de Comunicação do governo FHC; Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação, vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro, ex-secretário estadual da Educação de São Paulo, e colaborador do + de 50 Anos de Textos.
Texto muito pertinente. Quem viveu essa época sabe o inferno que foi sair desse redemoinho. É sempre bom lembrar a competência dos envolvidos. Quando projetei e montei os sistemas de áudio e vídeo na casa deles, tive o privilegio de conhecer pessoalmente o Sr. FHC, sua esposa Sra. Ruth e o posteriormente o economista André de Lara Resende, que esteve envolvido no processo do Plano Real. Sempre fui muito bem tratado por todos, em especial a Sra. Ruth que me tratava com extrema atenção e simpatia.