O silêncio seletivo de Lula

Por dois anos consecutivos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva travou uma cruzada contra o Banco Central e seu então presidente, Roberto Campos Neto. Os aumentos sucessivos da taxa Selic foram alvos de críticas contundentes por parte do chefe do Executivo, que via nas decisões do Copom um viés político, contrário aos interesses do país. Para Lula, a política monetária mantida sob Campos Neto não refletia os fundamentos da economia brasileira e estaria a serviço do governo anterior.

“Tem juros demais”, dizia o presidente, ao insistir que a inflação brasileira não era impulsionada pela demanda interna, mas por fatores externos como a alta dos combustíveis e dos alimentos. Em sua narrativa, os juros elevados seriam um entrave à retomada do crescimento e à harmonia entre as políticas fiscal e monetária. Em março de 2023, quando a Selic foi mantida em 13,75%, Lula classificou Campos Neto como alguém que “joga contra a economia brasileira” e defendeu publicamente sua substituição, mesmo com mandato garantido até o fim de 2024.

Após o início do ciclo de cortes, em meados de 2023, Lula seguiu pressionando o Banco Central por uma queda mais célere na taxa básica de juros. Manteve a mesma cantilena quando a taxa Selic era de 10,50%. A crítica, muitas vezes personalizada, tornara-se parte central de sua estratégia de enfrentamento à autonomia do BC — uma instituição que, segundo ele, não poderia estar “acima de qualquer suspeita” e cujo presidente “não poderia ter mais autoridade do que o presidente da República’.

Mas essa retórica perdeu força de forma súbita. Desde que Gabriel Galípolo, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda e indicado por Lula, assumiu o comando do Banco Central, o presidente da República optou por um silêncio que contrasta fortemente com sua postura anterior. Na última semana, o Copom elevou a taxa Selic para 15% — o nível mais alto em duas décadas — e Lula não fez qualquer comentário. Nenhuma declaração, nem mesmo uma insinuação crítica.

O contraste salta aos olhos. Trata-se do quarto aumento de juros sob a presidência de Galípolo, e o argumento de que a atual política monetária seria apenas uma “herança maldita” da gestão anterior não se sustenta: desde dezembro, a maioria dos diretores do BC já é composta por indicados do próprio governo Lula. Ainda assim, o Palácio do Planalto silencia. A autonomia do Banco Central, antes combatida com veemência, deixou de ser alvo de críticas. A mesma política monetária, agora conduzida por um aliado, passou a ser tolerada — ao menos no discurso oficial.

Essa mudança de postura expõe uma contradição. A crítica ruidosa à autonomia do BC e à elevação da Selic parece ter sido menos uma questão de princípios e mais uma reação ao desconforto político com quem a executava. Campos Neto era visto como herança do governo Bolsonaro; Galípolo é produto da atual administração. Muda o personagem, permanece a política — mas muda também o tom do presidente.

É importante registrar:  não visamos a questionar o mérito técnico da decisão do Copom. A inflação voltou a se distanciar da meta, e o próprio Banco Central projeta que o centro da meta de 3% só será atingido em 2027, caso a política monetária não sofra pressões indevidas. Nesse cenário, a elevação da Selic pode ser tecnicamente justificável. Mas o mesmo valia para as decisões tomadas em 2023.

A realidade demonstra que a queda de juros depende menos da “vontade política” — como Lula tantas vezes sugeriu — e mais de condições estruturais e do compromisso com a responsabilidade fiscal. Estímulos à demanda, via expansão do crédito e dos gastos públicos, em uma economia sem capacidade de resposta na oferta, alimentam pressões inflacionárias. Como afirmou recentemente o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, o Brasil precisaria de um “Novo Plano Real” para controlar os gastos, rever incentivos e criar um ambiente sustentável de redução da taxa de juros.

Quatro anos após a promulgação da lei que conferiu autonomia formal ao Banco Central, o modelo resiste. Campos Neto e Galípolo, indicados por governos de espectros opostos, seguiram estratégias praticamente idênticas. Essa estabilidade institucional reforçou a credibilidade do BC e blindou sua atuação de pressões político-partidárias, ainda que não as elimine por completo.

Por enquanto, Lula prefere não bater de frente com o Banco Central, poupando a figura de Galípolo. Na verdade, terceiriza a crítica por meio de figuras coroadas do Partido dos Trabalhadores, como a ministra das Relações Instituições. A conferir se manterá seu silêncio seletivo lá para janeiro, caso sua popularidade continue em baixa e os juros não estiverem declinantes. Aí Galípolo, se não ceder às pressões, sentirá na pele o que Campos Neto sentiu.

Fica, portanto, uma pergunta incômoda: Lula manteria esse silêncio, caso ainda pudesse demitir Galípolo a seu bel-prazer? A resposta parece óbvia. A autonomia do BC não apenas protege seu presidente — protege também a coerência da política monetária brasileira, mesmo quando o silêncio do Planalto grita mais alto que suas antigas palavras.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 25/6/2025. 

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