Vejo a mulher sozinha caminhando por uma rua. Bem-vestida, no braço uma bolsa de qualidade. Vai em frente, em passos de certa pressa, como se estivesse ansiosa. Mas não para em lugar nenhum.
Atravessa a rua, passa direto por um bar com mesas na calçada, deserto, sem freguês a vista. A elegante vitrine de uma loja de modas, que vem a seguir, também não a atrai. Subitamente, dá com um homem bem trajado vindo em sua direção. O que se seguirá? Nada. O cidadão passa, como se ela não existisse.
Vai assim até chegar à praça da Igreja Matriz. O que faz a senhora? Sim, deve estar pelo menos nos trinta anos. Senta-se em um dos bancos e não se dedica a nada além de perscrutar a paisagem. Subitamente, abre a bolsa. Dela extrai uma agenda, e a examina com atenção. Estará confirmando a hora de um encontro prestes a acontecer?
Nada, tudo o que faz é pegar uma caneta e lançar anotações na agenda. O que faço eu? Pego o controle e desligo a televisão. Filminho chato.
Sem mais, resolvo ir à casa de um bom amigo, o Renato. Despreocupado … sei que a televisão dele quebrou. E que ele tem um aparelho de som de primeira. Perfeito para o momento. Só que antes mesmo de pisar na sala, ouço os mesmos sons do filme que eu estava assistindo. A televisão foi consertada!
Então ficamos assim. Ele continua assistindo a fita, com a maior sem cerimônia; eu me sirvo de seus fones de ouvido e fico ouvindo música. Por fim, quando o filme termina, Renato desliga a tevê? Não, tenho a impressão de que não faz isso nem quando vai dormir. Comenta que acabou de assistir a um filme interessante.
Como? – reajo. Conto como desliguei a televisão quando não aguentei mais.
Vou te mostrar.
Gravou o filme. Neste ponto, vê-se a mulher no banco da praça, quando um fiel aparentando um pouco mais idade do que ela surge e entra na igreja. Subitamente começa a chover. O recém-chegado sai do templo para ir embora antes que a chuva aperte, e vê a senhora ao relento.
Num impulso, vai até ela. A chuva apertando. Tira o paletó, coloca nas costas dela. E… o aguaceiro cai de vez. Entram na igreja, ela molhada e ele em mangas de camisa, ensopado. O que fazer? Vão para o carro dele, estacionado no meio fio. Partem.
Agora estão no sobrado onde mora a resgatada. Sujeito a pegar um resfriado, ele aceita tomar um banho bem quente. O que vestir depois? Cobrir-se com um confortável edredom dela. Por sua vez, ela vai ao banho e sai vestindo, para fazer par a ele, e não deixá-lo sem graça, uma manta.
Na manhã seguinte, enquanto, na sala, ele fala ao telefone (quer que seu chefe lhe dê férias), ela abre a janela do quarto do sobrado. A câmera dá um zoom e amplia aquele rosto que exibe um sorriso malicioso e triunfal.
The End
Afinal, o filme não era tão chato.
Este conto foi originalmente publicado no blog Vivendo e Escrevendo, em 3/2/2025