Nesta quarta-feira de cinzas fui a um supermercado que ainda estava no embalo da terça-feira gorda mandando ver na caixa de som as saudosas marchinhas de carnaval.
Me peguei empurrando o carrinho cantando mamãe eu quero pelos corredores. Eu que deixei de ter o pique carnavalesco há tempos, entrei no clima e, se não tivesse tanta gente, até arriscaria uns passinhos de samba.
Mas de repente me lembrei de que cantar e dançar numa quarta de cinzas era um pecadão dos brabos, segundo minha mãe. Ela, católica de nascença, contava histórias arrepiantes sobre as consequências que alguém enfrentaria caso desobedecesse às regras santas.
Contava sempre para filhas e para a sobrinhada que, numa certa ocasião, em local que descrevia como próximo ao sítio em que morava, o último dia de um baile de carnaval que continuava animado depois da meia noite, terminou em uma tragédia sobrenatural.
As crianças já arrepiadas e de olhos arregalados ouviam ela contar que moças e rapazes pulavam alegremente no salão, quando a porta principal se abriu para a entrada de um “folião” desconhecido, lindo, charmoso, que, com seu encanto paralisou os dançarinos. E, enquanto todos olhavam pra essa belezura, o moço bonito os enrabou (naquele tempo e na inocência da contadora de histórias, enrabar significa tão somente envolver com o rabo), e os espremeu como se fossem laranjas, até a morte.
Mas isso era história de um tempo, hoje raramente se vê alguém que ache que carnaval é coisa do capeta, a não ser certos políticos que querem fazer média com seus eleitores. É o caso do deputado federal do PL de Goiás, Gustavo Gayer, que publicou no XTwitter: “Não vou mentir. Feriado de Carnaval é a época que eu menos tenho esperança no Brasil. Um país que celebra o capeta nas ruas não tem como dar certo”
Essa declaração me deixou muito mais atônita do que a história da minha mãe, confesso. Todos sabem que esse senhor não é flor que se cheire. Alguém que tá respondendo processo por propagação de fake news e por desvios de dinheiro de emenda parlamentar para seus próprios negócios, pra começar, não tem moral pra dizer “não vou mentir”. E, segundo notícias passadas, parece que o “capeta” já foi ele próprio nas ocasiões em que foi preso por porte de drogas, por dirigir embriagado e por ter matado duas pessoas e deixado uma paralítica, por atropelamento.
Vem cá, seu deputado, pois fique o senhor sabendo que a gente é que tem menos esperança no Brasil cada vez que um político desse naipe é eleito, isso sim.
Por essas e mais outras prefiro me aterrorizar com as histórias sobrenaturais da Margarida do que ter de engolir esses falsos moralistas que agem pensando nos votos de religiosos que ainda crêem que o carnaval é a festa do capeta. 🎭
Simbora! Squindô, skindô!
Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 7/3/2025.