A direita pode se dividir em diversas candidaturas na próxima disputa presidencial. Não que lhe falte alguém com potencial de aglutinar o seu campo e de dialogar com o eleitorado do centro. Todas as análises convergem para o nome de Tarcísio de Freitas como o único com esse poder de aglutinação e de ampliação. Essa possibilidade esbarra na obstinação de Jair Bolsonaro de repetir a estratégia de Lula de 2018, mantendo sua candidatura até a undécima hora, quando o Tribunal Superior Eleitoral negar o seu registro.
A subordinação à estratégia de Bolsonaro funciona como grilhões nos pés dos presidenciáveis deste campo. É praticamente inviável a vitória de qualquer um deles sem o seu apoio explícito. A despeito da sua inelegibilidade e da possível prisão após seu julgamento no STF, Bolsonaro continua sendo o grande eleitor do seu campo, por ter dado voz e visibilidade ao conservadorismo e reacionarismo que não vinham à luz do dia.
Isso explica por que os grandes players da direita – Tarcísio, Ratinho Júnior, Romeu Zema e Ronaldo Caiado – se manifestaram em solidariedade a ele, imediatamente após ter sido considerado réu pela Primeira Turma do STF. Não poderia ser diferente para quem sonha em contar com seu aval em 2026. Mas daí a concluir que todos eles acompanharão Bolsonaro até sua candidatura ser impugnada pela TSE há uma enorme distância. Continua válida a frase segundo a qual em política, acompanha-se o velório até a cova, mas não se pula junto com o caixão.
Bolsonaro, claro, se esforçará para prolongar ao máximo a hora de passar o bastão. Nessa estratégia enquadram-se a manifestação convocada para o próximo domingo na Avenida Paulista e o esforço para o Congresso aprovar uma anistia que viria a beneficiá-lo mais à frente. São apostas de risco e de difícil êxito. Caso a próxima manifestação reproduza o fiasco do ato de Copacabana, será um tiro no pé.
Contudo, quanto mais o tempo passar mais será submetido a pressão para se subordinar ao adágio “rei morto, rei posto” e indicar um nome capaz de unificar. Essa pressão tende a vir de fora para dentro, como um movimento da sociedade. Em política, o vácuo é sempre preenchido. No caso concreto, se não for por uma candidatura unitária, será por várias candidaturas da direita. A divisão desse campo pode prejudicar suas possibilidades em 2026, por meio de uma equação simples: quanto mais a direita se dividir, maiores as chances da esquerda na próxima eleição presidencial.
Em termos concretos, a estratégia de Bolsonaro de priorizar a reversão da sua inelegibilidade,como se ela fosse possível, posterga a incontornável necessidade da direita se aglutinar em torno de uma candidatura capaz de adotar um discurso voltado para um campo mais amplo do que o bolsonarismo. Pablo Nobel, marqueteiro de Tarcísio em 2023 e conselheiro político do governador, resume em poucas palavras a equação sobre a qual a direita deve se debruçar: “Sem Bolsonaro não dá. Só com Bolsonaro não basta”.
A grande dificuldade é convencer o ex-presidente a passar o bastão a tempo. Não é um problema só do timing. É também do perfil de quem será o escolhido. Se seu objetivo for indicar um candidato apenas para “defender o seu legado” (como Haddad foi para Lula em 2018) em vez de unir a direita, vai contribuir para a cristalização de várias candidaturas de um mesmo espectro político.
Ao contrário de Lula, que é única liderança do campo da esquerda e sob ela tem o controle absoluto, a direita tem uma situação muito mais multifacetada, com lideranças e partidos com luz própria. Dificilmente esse campo acompanharia, em bloco, uma candidatura cujo ungido por Bolsonaro fosse alguém do seu núcleo familiar. Nessa hipótese a balcanização da direita por meio de várias candidaturas poderá se consolidar.
Para ter chances de vitória, a direita precisa ir além do discurso bolsonarista e dialogar com setores empresariais, agronegócio, evangélicos e até aquela classe média que deseja um candidato moderado, sem polarização extrema.
Os olhos se voltam para Tarcísio de Freitas, o nome que mais se adequa ao figurino traçado. Para se viabilizar, o governador paulista tem de se equilibrar em uma corda bamba extremamente tênue. De um lado, tem de se manter fiel a Bolsonaro para não ser carimbado pelo eleitor de extrema-direita como traidor e, de outro, não pode aparecer como um simulacro do bolsonarismo, pois isto espantaria os eleitores avessos ao radicalismo que ameaça o Estado Democrático de Direito. Isso explica movimentos aparentemente contraditórios do governador de São Paulo, como subir palanque do ato de Bolsonaro em Copacabana e ao mesmo tempo elogiar a Justiça Eleitoral.
O risco é desagradar a gregos e troianos. Aos bolsonaristas quando assume uma postura mais moderada. Aos eleitores do centro quando sobe no palanque do ex-presidente e faz um discurso ao gosto do bolsonarismo de raiz.
Encontrar o ponto de equilíbrio exige uma operação delicada. Ter o bolsonarismo em seu palanque, mas não se caracterizar como um candidato ventríloquo de Bolsonaro. De certa maneira, a candidatura de Ricardo Nunes na disputa da prefeitura de São Paulo conseguiu essa proeza. A conferir se Tarcísio fará milagre semelhante. De certa forma, ele já deu demonstrações de ser capaz de trilhar o caminho do meio e de se pautar pelo pragmatismo.
Como os demais candidatos do mesmo espaço, Tarcísio é prisioneiro do timing de Bolsonaro e de sua estratégia. Espertamente, o ex-presidente busca ganhar tempo, prolongando, ao máximo, a indefinição do seu sucessor. Joga, assim com a esperança dos pretendentes a sucedê-los de vir a ser o escolhido, quando chegar a hora da verdade. Sem perceber, todos eles ficam acorrentados à cruzada do ex-presidente por uma anistia que o beneficie e lhe dê condições de disputar de novo a presidência da República.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 2/4/2025.