Nas últimas

O dia que o Trump chamou de Libertação, ocorrido esta semana com o tarifaço, é na verdade o Dia da Perdição. Isso para mim, que escrevo estas mal traçadas sem nenhuma esperança de influir no resultado do jogo. Já para a revista britânica The Economist em sua última edição, saída hoje, é simplesmente o Dia da Ruína. 

O dia em que os EUA contrataram do nada uma inflação recorde que será paga por todos os americanos e os tornará mais pobres, em vez de trilhões de dólares mais ricos, segundo propaga, falsamente, aquele que elegeram para (des)governá-los de 2025 a 2028. 

É o dia em que anunciaram sua falência em três tempos: como líderes mundiais, como arautos da liberdade e da democracia e como potência econômica. 

Uma potência econômica não se impõe com tarifas. Uma potência econômica se impõe pela qualidade, quantidade e confiança dos seus produtos nos mercados internacionais. Se tem a hegemonia sobre o mundo das relações econômicas e comerciais é por sua competência e não por suas tarifas. 

No tarifaço de Trump, os EUA arreganham os dentes para o mundo. O leão da Metro também mostrava os dentes nos cinemas do mundo inteiro. Mas quanta diferença! O que o mundo vê hoje na bocarra aberta são dentes com prazo de validade vencido: quebrados, cariados, moles e na iminência de cair…

Tio Sam ficou velho, ultrapassado, decrépito. O mundo moderno está do outro lado do planeta, na Ásia. Há muito saiu da América. As grandes empresas se mudaram, em busca de mão-de-obra que lá não existe mais. 

Não que seja necessariamente mais barata no Oriente — e é —, mas que queira fazer o que os estadunidenses não querem mais fazer. Mais barata havia de ser, porque a renda per capita ainda é menor em seus países, mas muito além disso é mão-de-obra que quer aprender, evoluir e ser alguém na vida. Que quer treinamento, conhecimento e domínio das novas tecnologias, cujo eixo também saiu do Vale do Silício e foi para… a Ásia. 

Suas sedes continuam nos EUA, mas nelas não cabem as grandes massas trabalhadoras que enchem os chãos de fábrica da China, da Índia, do Japão, do Vietnã, da Coreia do Sul, Taiwan, Tailândia, Indonésia, Singapura, Austrália etc…

As sedes dependem inteiramente de suas fábricas espalhadas pelo mundo. A grande maioria produzindo componentes que se juntam numa complexa rede globalizada impossível, e economicamente inviável, de transferir para os EUA. 

Trazê-las de volta é o delírio de um demagogo de direita que quer, a todo custo, mesmo o da mentira, o voto dos desempregados, o voto dos que têm seus parcos empregos ameaçados — o voto dos desesperados. 

Talvez algumas retornem, deixando para trás gente qualificada que custou caro treinar, reciclar, aperfeiçoar, num trabalho de décadas. Mas vão se endividar pesadamente no país de origem para alcançar talvez a metade do estado de arte e excelência que construíram alhures. 

A volta aos EUA será uma volta ao passado, o passado que lhes trouxe problemas insolúveis e por isso mesmo partiram. Não pagarão tarifas, é certo, mas não seria melhor, em vez de pôr as mochilas nas costas, redirecionar suas vendas a outros países? Pergunta como essa fará qualquer empresa bem sucedida no exterior a pensar dez vezes antes de voltar a um país em que tudo ficou caro, onde a mão-de-obra é escassa e, por isso mesmo, mais cara também. 

O plano de Trump é um daqueles que tem tudo para dar errado e nada para dar certo. Ele se põe como jogador de pôquer que tem um par de nada na mão e permanece na mesa para blefar. 

O próprio Banco Central dos EUA, o Federal Reserve, alertou hoje que o plano vai gerar inflação e queda do PIB americano. Muita coisa vai ficar mais cara para eles. Além disso, indústria e agroindústria perderão competitividade no exterior. Vão faturar menos e isto refletirá negativamente no PIB. 

Será mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que fazer os EUA rugirem novamente como o leão da Metro e ganharem o reino dos céus outra vez. 

Se é que algum dia tiveram os céus sob seus pés. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e desconfiado de que o Tio Sam está nas últimas.  

4/4/2025

     

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