Uma marmita especial tem licença especial. No caso, a permissão é do Xandão — que eles chamam de cruel — e visa passar pela porta da sede da Polícia Federal em Brasília a comidinha caseira do mais novo hóspede da instituição.
Dizem que a marmita é cuidadosamente preparada por dona Micheque, mas por via das dúvidas Xandão mandou a PF examinar muito bem o conteúdo antes de servi-lo ao condenado. Deve ser porque a gororoba que dona Micheque servia para ele tempos atrás era pobre em ferro. O homem estava com anemia e os médicos que o atenderam no hospital acharam por bem dar-lhe uma dose de ferro extra na veia.
Eu, sinceramente, acho que dona Micheque não leva jeito para pilotar um 4 bocas. Mas a dona Damares, essa não me engana. Ela é de Paranaguá, e não conheci ninguém daquelas bandas que não soubesse fazer um bom barreado. É um prato apetitoso e rico, riquíssimo, em ferro. Típico do Paraná.
Carnes bem cozidinhas, de vários tipos e em porções generosas, com todos os temperos, legumes e verduras de acordo. Degustei bastante quando morei naquelas terras por longos anos.
É o que no Rio de Janeiro, São Paulo e outros lugares chamam de cozido, porém é feito de outra maneira. No Paraná, cozinham num tacho de barro com a tampa fechada e vedada com pirão de mandioca em toda a volta, e o tacho é enterrado no jardim ou no quintal, com brasas no fundo do buraco. Lá fica um dia e uma noite cozinhando.
Por que tudo isso? Não sei nem imagino. É tradição. No Rio, é cozido na panela mesmo, no expediente normal da cozinha. O quiosque da Praça 15 servia o melhor cozido da cidade quando morei lá, nos anos 80 e parte dos 90. A diferença para o do Rio — que me perdoem os paranaenses — é o aspecto. O do Rio dá de 10 no do Paraná, que mais parece… bem, não vou me manifestar. De qualquer forma, as duas modalidades são de levantar defunto. E é o que o hóspede da PF precisa.
Portanto, dona Damares, mãos à obra! E como não tem preso que aguente a mesma marmita todos os dias, tem receitas mil na internet. Da Bahia ao Amazonas, passando pelo Espírito Santo. É só deitar e rolar no 4 bocas e despachar para a Papuda… quero dizer, para a PF.
Cuidado para não errar o endereço. Papuda só depois que o STM cassar-lhe a patente.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e apreciador de múltiplas especialidades das artes culinárias brasileiras.Anoto, também, para esclarecimento aos meus leitores do Sul (se houver), que o termo patente não se refere ao utensílio comumente designado em outras bandas do país como vaso sanitário, privada ou, simplesmente, penicoe urinol,onde não há esgoto, carência muito comum no Sul e outras paragens. O direito de uso de qualquer um destes artefatos não lhe será cassado.
29/11/2025
