Marcha a ré

A queda abrupta dos treasuries americanos na semana passada — última linha de defesa dos Estados Unidos contra crises econômicas e financeiras — fez o que o Judiciário, o FBI e a oposição democrata não tinham conseguido até então para demover o Agente Laranja do seu intento de acabar com a América first, o capitalismo second e o bom senso em terceiro, nas relações comerciais com o mundo. 

Não que eu morra de amores pela América e o capitalismo. Mas o ataque de mister Trump aos fundamentos econômicos do sistema põe em risco não só os EUA como toda a civilização. Ele quer a lei da selva, o rompimento unilateral dos contratos a qualquer tempo, conforme suas necessidades, o fim dos instrumentos regulatórios, num mundo de cada um por si e Deus por ninguém, onde o mais forte é o que fala mais grosso e os outros que abaixem as orelhas. 

No entanto, foi-se o tempo em que Tio Sam andava com um porrete na mão para pôr o mundo na linha segundo os seus termos. Quando a política do big stick vigorou, por anos, o mundo era desorganizado, impotente ante os desafios, atrasado e sem rumo. 

Hoje o mundo é outro. Hoje, 70% dos títulos do Tesouro dos EUA estão na mão dos estrangeiros — 15% nas mãos da China comunista. Isto era inimaginável décadas atrás. E foi a venda repentina e em alta escala dos treasuries em poder do público, dentro e principalmente fora dos EUA, que emparedaram o Agente Laranja e o obrigaram a recuar às pressas. 

De uma hora para outra, derrubou todas as tarifas para 10% por 90 dias, exceto as da China, do aço, do alumínio e dos automóveis. Ah, sim, os smartphones — majoritariamente produzidos na China — foram isentados de quaisquer taxas, computadores também. O Laranja jogou a toalha para as big techs. Logo mais vai arriar as ceroulas também para a Tesla — que produz mais fora dos EUA do que lá. 

E assim vai fazendo água a canoa furada do mister que se julgava o Napoleão do fim dos tempos. Mas como seguro morreu de velho, a população que votou e a que não votou nele enche os supermercados para fazer estoques de tudo, do arroz importado à carne brasileira, ao café do Vietnã, ao pescado do delta do Mekong, aos salmões do Chile, aos vinhos europeus, às bananas mexicanas, às geleias européias etc. 

E os plantadores de soja pedem ao Napoleão que se compadeça deles e derrube também as tarifas impostas ao setor, se não todos vão quebrar. Vários estados que votaram nele vivem da soja que exportam maciçamente para a China. E a China, além de tascar tarifa de 125%, está trocando rapidamente de fornecedor. Para desespero dos sojicultores americanos, está vindo com todo apetite para o principal concorrente deles — ó nós aqui, o Brasil! —, maior exportador do mundo. 

Quer dizer, além da canoa furada em que se meteram estão dando tiros no pé. Que país é esse? Francelino Pereira deve estar de boca aberta, como eu, fazendo essa pergunta que era sobre nós aqui, abaixo do Equador, na década dos 70 do século passado…

Nelson Merlin é jornalista aposentado e, mais que boquiaberto, abobalhado com os rumos e o eleitorado da outrora grande nação do Norte, marco de estabilidade e confiança no mundo dos negócios. 

14/4/2025     

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