Loucuras

Agora ficou como o diabo gosta. 

Os jornalões querem derrubar o Xandão (sabe Deus por quê), o centrão quer a cabeça do Dinão (porque ele não deixa a canalha do Congresso fazer suas emendas em paz), os bolsonaristas querem acabar com Lula já (se não, Lula-lá emplaca o quarto mandato) e os partidos PL/ PP/União Brasil/Republicanos batem cabeça para eleger o Tarcínico presidente da República (porque o 01 do presidiário não passa no gogó deles). 

Deus não sabe, mas eu acho que sei por que os jornalões entraram de cabeça contra o Xandão. Eles não entraram. Eles caíram numa esparrela. 

Como se sabe, tudo começou com uma baita barrigada da colunista do maior dos jornalões. Ela escreveu a peça, que alguém soprou nas orelhas dela, e mandou descer.

(No jargão das Redações de jornal,  “descer” significa mandar qualquer coisa previamente aprovada pelo editor para a gráfica, que sempre fica embaixo. A gráfica manda brasa e no dia seguinte a peça tá lá estampada no jornal.)

Ninguém teria lido antes, nem o editor-assistente, nem o chefe dele, nem o redator-chefe, nem o diretor da Redação. E deu no que deu. 

Digo isso porque se um deles tivesse lido, um só deles, ia cair duro pra trás: a criatura estava detonando, numa só penada, o ministro e vice-presidente do STF, Alexandre de Moraes, e o presidente do Banco Central do Brasil, Gabriel Galípolo, invocando meia dúzia de fontes anônimas, sem nenhuma testemunha, sem nenhum documento, nenhuma prova. Apenas o diz-que-diz miserável das supostas fontes. 

Ela diz que pesquisou o assunto durante semanas. Isto levanta algumas hipóteses. Era um assunto secreto, que só dizia respeito a ela? Difícil! Ao menos o maior dos quatro manda-chuvas que mencionei tinha que saber. Podia ser tão secreto que só ela sabia? Podia. Mas assim mesmo um deles tinha a obrigação de ler o petardo depois de entregue e antes de descer para a gráfica. 

Outra hipótese é que ela e um ou mais dos quatro armaram a bomba para detonar Xandão e Galípolo. Neste caso, estariam recebendo ordens — a ordem de fazer — diretamente do dono, ou donos, do jornal. Haveria, portanto, uma grande conspiração a alimentar os fatos. 

Mas vamos aos fatos.

Como até agora nenhum superior da colunista e nenhum dos donos apareceu para botar ordem no bordel, uma terceira hipótese se alevanta, como diria antigo professor de português do meu colégio. A de que a colunista e toda a cadeia de comando do jornal, inclusive os donos, montaram o artefato. 

Mas, com a devida venia a meu respeitado professor, não consigo imaginar um jornal inteiro querendo derrubar o ministro e o presidente do BC, às vésperas do Natal de 2025. Eu teria que admitir que seriam todos loucos de pedra. Tenho certeza que meu professor concordaria comigo. 

Mas o silêncio dos superiores pode ser de outra ordem. Coisa muito diferente de um complô. Estariam todos colados na parede sem saber o que fazer. Esse é o quadro. Se demitem a colunista, arregaçam para o público leitor que o jornal é um caminhão sem freios descendo a ladeira. Na qual ninguém aparece para ler antes um troço que ninguém sabia ser daquela voltagem. Se não demitem, endossam a colunista e marcham unidos para o precipício. 

Eu, modestamente, aqui dos meus aposentos nesta suada aposentadoria, acho que o jornal virou uma bagunça. Trabalhei lá por uns anos, como editor assistente de Política e Nacional, na época da Constituinte de 1988. O jornal tinha dezenas de colunistas, seguramente uma centena, e todas as colunas eram lidas obrigatoriamente pelos editores antes do fechamento. Não para corrigir qualquer coisa, mas para tomar conhecimento e fazer a chamada na primeira página, caso valesse o destaque. E para saber se valia, alguém tinha que ler, não é? Silogismo simples dos tempos de Aristóteles…

Óbvio que o editor a cargo da página em que seria editada a coluna, ao deparar com o troço mandaria o texto imediatamente para aprovação superior. Se o fez, a coisa desceu para a gráfica porque o comando aprovou e todos, agora, estão assando dentro do caldeirão. Se não o fez, minha tese da bagunça está de pé. 

Reparem que num caso ou no outro o jornal está à beira do abismo. E não está sozinho. Outras colunistas de outros dois jornalões menores se alinharam com a primeira, claramente para não ficarem na poeira. Por interesse, e não por amor à arte ou ao conteúdo. 

Um segundo colunista, este masculino, do primeiro jornalão, correu a escrever uma coluna em apoio à colega e, simultaneamente, por amor à arte e ao conteúdo. Disse que os acusados Xandão e Galípolo é que têm de provar sua inocência! Já a colunista, essa não tem obrigação de provar coisa alguma!! Não sei se é uma besta quadrada ou se trata de um gênio arrogante. Só sei que, com esse argumento risível, era melhor ter ficado fora dessa. 

É mais um claro indício de que o jornalão vive agora no mundo da Lua. Nesse mundo sem gravidade, jornalistas flutuando no espaço escrevem o que dá na telha e seus leitores e vítimas que se danem. 

Aqui na Terra, onde há gravidade e após reiterados desmentidos dos alvos colocados na linha de tiro, as três correm o risco de responderem a processos por calúnia, injúria e difamação, acrescidos de outro por atentado à estabilidade do sistema financeiro nacional. Ocasião em que teriam a oportunidade de ouro de entregar as provas que sonegam ao público leitor ou, simplesmente, inexistem. O coleguinha masculino talvez as acompanhe, já que endossou as aleivosias da primeira. E por permanecerem assim calados com eles, os donos dos jornalões sujeitam-se a perder ainda mais leitores do que vêm amargando nas últimas décadas. 

Ruim para o jornalismo, pior ainda para o país. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e que não se contenta de ser somente um jornalista aposentado.

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