Latidos

Eles tiraram o esparadrapo da boca. Que pena! Deram-me um sossego por alguns dias, parece que foram só três, mas valeu! Não falo só daqueles que humilharam o Mottinha. Falo também dos cachorros dos meus vizinhos, golpistas ou não! 

Finalmente, estava conseguindo dormir. O sossego acabou. Agora divido o mundo entre os cachorros daqui e os de lá. Os de lá estão latindo, outra vez, que o Napoleão do Norte é o máximo! Latem que vão quebrar o Brasil enquanto não vier a anistia para a cachorrada do 8/1, para o ex-capitão e para os seus comparsas, que planejaram inclusive os assassinatos dos eleitos e do ministro Xandão. 

Ora, não sabem que, de acordo com a Constituição de 88, uma anistia concedida pelo Congresso Nacional pode ser vetada pelo presidente da República? Está no caput do artigo 48 da Constituição Federal. E pode ser derrubada também pelo STF, porque é inconstitucional? Não passará! O Estado não pode dar anistia para si mesmo. Vão ficar chupando o dedo, se conseguirem aprovar no Congresso. Será inócua! 

 Há, para os desavisados, o entendimento entre juristas renomados de que o Estado não pode conceder anistia aos seus próprios agentes, porque seria como anistiar-se a si mesmo. 

Crimes cometidos pelos agentes do Estado têm que ser primeiro julgados pelo Judiciário. Posteriormente, pode ser concedida anistia, indulto ou graça, pelo presidente da República, conforme a gravidade da pena recebida e uma série de condições, entre elas o cumprimento de parte importante da sentença, o arrependimento e o bom comportamento na cadeia. 

Todo o bando de golpistas de 2022 — os fardados e os ex-fardados, entre   os quais o então presidente da República, todos servidores do Estado — está impedido de receber anistia, que seria uma confissão absurda de impunidade, de inimputabilidade, declarada pelo próprio Estado para proteger os seus dos crimes cometidos. Uma afronta à Constituição — que reza serem TODOS os cidadãos iguais perante a lei. Não há ninguém acima dela. Nenhum juiz, nenhum parlamentar, nenhum milico, nenhum delegado ou servidor civil. 

O Estado não pode ter golpistas de estimação! 

Aproveito para lembrar que todo o bando de torturadores e chefes de torturadores na ditadura de 64 foi ilegalmente anistiado em 1979. Anistia só é aplicável, por definição, para quem foi vítima do Estado, os perseguidos, os torturados, os exilados, os demitidos, os cassados, os assassinados, os desaparecidos. Quem torturou, matou ou ocultou cadáveres — que, aliás, são crimes hediondos — é, por princípio fundamental, inanistiável. 

A extensão da anistia de 79 aos bandidos do Estado foi um ato político e execrável. Aceito pela Oposição para trazer de volta os exilados e reabilitar os que foram massacrados pelos generais. Para isso, a Oposição engoliu o fel da ilegalidade, que persiste até hoje. 

Não foi uma lei, foi um ato institucional da ditadura. Sem número, nos estertores do regime. Decadente e sem mais o apoio da imprensa e da população. 

Os cachorros do meu vizinho, ao contrário, podem ser anistiados. Não são agentes do Estado nem têm a consciência do que fazem. Seus congêneres no Congresso Nacional não podem. São agentes do Estado. Não os perdoo. 

Poderia perdoar os arruaceiros do 8/1? Não eram agentes do Estado. Só que não deixaram a porta aberta para o perdão. Lá estavam os bobocas e as bobocas, autodeclarados inocentes. Poderiam ter feito acordo de não persecução penal. Muitos fizeram. Muitos não quiseram. E ainda assim se declaram inocentes. Estavam passeando no parque, não fizeram nada… Cínicos como o chefe! Teve os terroristas black blocks, que quebraram tudo; teve os terroristas que tentaram explodir o aeroporto; teve os terroristas que incendiaram ônibus e automóveis no fim de 2022. Sim, pode haver anistia aos e às bobocas, não para os terroristas. E para os primeiros somente após o cumprimento dos requisitos básicos para anistia, indulto ou graça, conforme a Constituição. 

Não é no vamo que vamo. Não é na gritaria, falsa, dos cães que latem no Congresso Nacional ou fora dele, aqui e fora daqui. 

Anistia é para os que queriam a pátria livre, não para os que hoje querem livre a delinquência. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado, humanista e legalista até a raiz dos cabelos, que ainda são muitos. 

Nota do Administrador: A charge do Laerte foi publicada na Folha de S. Paulo.

15/8/2025

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