Lalo Schifrin

Lalo Schifrin, o autor do tema de Missão Impossível. Essa ligação entre o nome do músico e o tema do filme que iniciou a franquia de sucesso absoluto esteve presente com destaque nos textos dos jornais sobre a morte dele, aos 93 anos, em Los Angeles.

Tá. Normal. Foi, seguramente, sua criação mais famosa. Mas é bastante reducionista dizer, como tantas publicações fizeram, “morreu Lalo Schifrin, autor do tema de Missão Impossível”.

Grande compositor, regente e pianista, foi autor de uma obra vasta, impressionante

Para mim, Lalo Schifrin é, antes de mais nada, o homem do maravilhoso, extraordinário, sensacional, inesquecível álbum The Dissection and Reconstruction of Music from the Past as Performed by the Inmates of Lalo Schifrin’s Demented Ensemble as a Tribute to the Memory of the Marquis De Sade.

Esse disco faz parte da minha história.

Ele é de 1966. Foi lançado pelo selo Verve de Creed Taylor, um selo de prestígio, que tinha em seu catálogo álbuns do mais fino, mais respeitado, mais prestigiado jazz daquela época. Todas as 10 faixas eram composições de Lalo Schifrin, executadas por um conjunto de 25 músicos (se é que minha conta está correta).

Vou ousar descrever a música que Lalo Schifrin criou para este disco monumental. Pelo menos tentar…

Era uma espécie de crossing, de cruzamento de gêneros – o jazz, essa coisa ampla, praticamente sem fronteiras, e o erudito, essa outra coisa também um tanto infinita. Não sou autoridade alguma no assunto, e posso, é claro, estar falando as maiores besteiras, mas o que o compositor e maestro Lalo Schifrin fez ali foi o cruzamento do jazz mais melodioso, mais distante do blues, com a música erudita do barroco, de Herr Johann Sebastian Bach.

Não era uma coisa única, uma invenção dele, de forma alguma. O Modern Jazz Quartet do magistral John Lewis (e mais Milt Jackson, Percy Heath e Connie Kay), piano, vibrafone, contrabaixo e bateria, fazia exatamente a mesma ponte entre o jazz e o barroco. Não foi à toa que o Modern Jazz gravou, no disco The Sheriff (1964), a ária da Bachiana Brasileira número 5 – e é uma das mais fantasticamente belas gravações daquela peça que Gláuber Rocha usou no seu Deus e o Diabo na Terra do Sol (também de 1964) e Joan Baez gravou no seu disco (também de 1964) Joan Baez/5.

Os títulos das músicas do maestro no disco indicam claramente o que ele pretendia fazer – e conseguiu.

“Old Laces”. “The Blues for Johann Sebastian”. “Renaissance”.

“Bossa Antique”.

“Bossa Antique”! Que maravilha de título, meu Deus do céu e também da Terra! O título parece ter sido escolhido em minha homenagem, que sempre fui um sujeito pré-antigo em um mundo que gosta do pós-moderno…

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Do vertbete da Wikipedia sobre The Dissection and Reconstruction of Music from the Past as Performed by the Inmates of Lalo Schifrin’s Demented Ensemble as a Tribute to the Memory of the Marquis De Sade:

“A crítica do AllMusic, de Richard S. Ginell, premiou o álbum com 3 estrelas e disse que ‘esse título maluco pertence a um álbum não tão perigoso, de forte balanço,em que Schifrin inventa ou pede emprestados temas clássicos do século 18 e os coloca nos contextos de uma big band ou pequeno grupo. Com o creme dos músicos de jazz de Nova YHork dos anos 60 a bordo… Os aficionados por jazz desfrutarão um ótima momento com esta colisão de séculos, que se inclina muito para o lado do jazz.”

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Fui apresentado a esse disco extraordinário nos meus primeiros meses de São Paulo, em 1968 – um garoto da província recém-chegado à metrópole.

Não era um garoto bobo, não. Conhecia um tantinho de Joãozinho Sebastião, do Padre Antonio, de Brahms, do Ludwig. E, sim, do Modern Jazz. E de muita MPB, muito folk, e muita Grande Música Americana.

Mas nunca tinha ouvido falar em Lalo Schfrin, nem, é claro, em The Dissection and Reconstruction of Music from the Past as Performed by the Inmates of Lalo Schifrin’s Demented Ensemble as a Tribute to the Memory of the Marquis De Sade.

Quem me apresentou a essa maravilha foi Catharina Taterka, Bibi para a família, para os amigos e para todos. E aí abre-se uma alameda, uma estrada imensa, porque seria preciso falar de Bibi Taterka e da fascinação absoluta que a paulistana bela, descolada, rica, exerceu sobre o provinciano pobre de marré de cy recém-chegado ao país desenvolvido, sem green card, sem coisa alguma.

Mas, como dizia aquele personagem bigodudo de Irma La Douce, essa é outra história…

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Boris Claudio Schifrin nasceu em Buenos Aires em 1932 – 11 anos, portanto, depois de Astor Piazzolla, e no mesmo ano que Gato Barbieri, que faria a trilha sonora de O Último Tango em Paris. Ao contrário dos seus dois conterrâneos, parece que Boris Claudio passou longe do tango, a vida inteira.

Estudou música em Paris, quando tinha 20 e poucos anos. Em 1956, com apenas 24 anos, portanto, conheceu Dizzy Gillespie, e se ofereceu para compor uma obra para ele. Em 1950, o lendário trompetista e band leader, então liderado um quinteto, convidou o argentino para ocupar o lugar do pianista, que estava vago. Lalo Schifrin mudou-se então para os Estados Unidos, de onde não sairia mais.

O IMDb lista que Lalo Schifrin foi o autor de músicas tocadas em 120 filmes. Foi indicado a nada menos de seis Oscars! Vale citar pelo menos esses filmes, é claro. Rebeldia Indomável/Cold Hand Luke (1967), Apenas uma Mulher/The Fox (1967), A Viagem dos Condenados/Voyage of the Damned (1976), Terror em Amityville/The Amityville Terror (1979), A Competição/The Competition (1980), Golpe de Mestre II/The Sting II (1983).

Não ganhou nenhuma dessas vezes em que foi indicado. Em 2019, a Academia concedeu ao músico um Oscar honorário pelo conjunto da obra.

E venceu cinco Grammies.

Para mim, Lalo Schifrin é, em especial, o autor do disco que fiquei conhecendo através da minha primeira paixão paulistana…

27 e 28/6/2025

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