Frei Gilson e a esquerda

O influenciador católico Frei Gilson tornou-se um fenômeno de massas e uma pedra no sapato da esquerda. Com mais de 7 milhões de seguidores no YouTube, suas pregações conservadoras – contra o aborto, relações homoafetivas e o comunismo – atraem milhões de espectadores nas madrugadas. Como resposta, setores da esquerda o estigmatizaram como bolsonarista, reforçando uma armadilha na qual caem repetidamente: a da guerra cultural, que tem lhe custado espaço na opinião pública.

A esquerda tem dificuldade histórica em dialogar com o público religioso, subestimando o peso da fé na sociedade brasileira. Esse distanciamento se agrava ao tratar figuras como Frei Gilson apenas como inimigos ideológicos, sem compreender o porque de sua influência crescente. Sim, Bolsonaro compartilha desses mesmos valores, mas reduzir qualquer líder religioso conservador ao bolsonarismo é um erro. Se fosse assim, a maioria dos brasileiros seria bolsonarista, o que não corresponde à realidade.

Além de criar barreiras para o diálogo, essa postura fortalece a narrativa de perseguição aos cristãos, municiando o bolsonarismo com o discurso de cristofobia. No caso específico, a esquerda ajudou a transformar Frei Gilson em símbolo da polarização, dando a Bolsonaro o papel de seu defensor.

Diante disso, seria mais inteligente adotar uma abordagem pragmática e estratégica, como sugeriu André Janones: “Não basta ser rejeitado pelos evangélicos, vamos fazer uma cruzada contra os católicos também?” A deputada Tabata Amaral foi outra figura pública que preferiu adotar um tom conciliador. Discordando da visão do Frei sobre o papel da mulher, destacou, no entanto, o impacto social de seu trabalho, atitude que lhe rendeu compartilhamentos nas redes sociais até entre conservadores. Esse tipo de abordagem permite disputar espaços sem abrir mão de princípios.

O desafio não é apenas eleitoral, mas de narrativa, de presença e conexão social. Ao contrário do que ocorre hoje, nos tempos da Teologia da Libertação a esquerda soube criar pontes com o universo religioso, sem abdicar de seus valores progressistas em temas como desigualdade e direitos. O Brasil mudou, e a direita se fortaleceu.

Mas a dificuldade da esquerda não se resume a um afastamento voluntário do campo religioso. Houve também uma transformação profunda no próprio universo da fé no Brasil, com o crescimento das correntes neopentecostais e do catolicismo carismático, muitas vezes abertamente hostis a pautas progressistas.

Isso não significa relativizar discursos conservadores como o de Frei Gilson, mas resgatar a capacidade de dialogar com setores que, historicamente, já foram parte de seu campo de influência e disputar o sentido da fé, mostrando que ela pode caminhar ao lado de valores como justiça social, igualdade de gênero e respeito às diversidades. Há uma diferença essencial entre compreender a força da religiosidade na sociedade brasileira e legitimar discursos que minam direitos civis. É possível respeitar a fé sem dar passe livre para a propagação de ideias que excluem parte da população.

Além disso, é preciso pensar como essa disputa pode ser feita na prática. No cenário atual, a religião não é apenas uma questão de fé, mas também uma ferramenta política poderosa, instrumentalizada para mobilizar eleitores e consolidar um projeto conservador de sociedade. Sem compreender essa dinâmica e sem apresentar uma alternativa convincente, a esquerda seguirá à margem desse debate, reforçando o vácuo que a direita soube ocupar.

A fé continua sendo um pilar da vida de milhões de brasileiros. Compreender suas dinâmicas não é concessão e nem significa compactuar com discursos excludentes. É condição para qualquer projeto político que aspire à transformação social e queira disputar esse espaço, evitando que ele seja monopolizado pela extrema-direita.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 19/3/2025. 

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