Jornalões, tevês e portais de notícias deturparam as manifestações de ontem contra as manobras canhestras da extrema direita na Câmara Federal, para livrar da justa punição os golpistas do governo anterior e os patriotários do 8/1 de 2023 —, todos já devidamente processados, julgados, condenados e cumprindo penas na Papuda, os comuns, ou em celas especiais, os milicos.
Para esses meios de comunicação, as manifestações reuniram menos participantes que as de setembro. Concluíram, portanto, que não teriam a mesma importância. Disseram isso em títulos ou no corpo de matérias inseridas no conjunto de reportagens sobre os atos.
É mentira.
Para quem tem olhos de ver, a manifestação no Rio de Janeiro lotou a Avenida Atlântica numa extensão de quilômetros, cobrindo a perder de vista o asfalto e a praia, que é larga e estava lotada. Em São Paulo, cobriu vários quarteirões da Avenida Paulista, antes e muito além do Parque Trianon. Em Salvador, lotou a região do Farol da Barra. Houve também muita gente em outras 40 cidades.
O que não houve foi honestidade na edição jornalística dos atos. E essa desonestidade foi orquestrada. Basta um olhar pelo noticiário.
Procurei uma explicação e a encontrei num título em que o editor cometeu o ato falho. Chamou as manifestações de um ato da esquerda. Eles acabam sempre se traindo. E aí está: os atos foram desprezados porque eram “da esquerda”.
É curioso como esse pessoal muda de casaca conforme o governante de plantão. Quando era o genocida apoiado pelo grande capital, pareciam de oposição, porque as sandices passavam dos limites. Mas que nada, agora que o vêem enjaulado abrem espaço para os adeptos chorarem as pitangas e culparem quem? O STF, ora! O Lula também, ora! E a lei, ora bolas!
Vai daí, pau na lei e, ato contínuo, todo espaço possível às artimanhas descaradas para mudar a legislação em proveito dos golpistas.
Nunca vi tanto mimimi com golpista. Em 64, eram as homenagens aos trogloditas, o financiamento à Operação Bandeirantes, depois Doi-Codi, a prisão em massa de opositores e a matança nos porões da ditadura. A grande imprensa assistia a tudo calada. Só muito depois abriu a boca.
Hoje, é a choradeira sem limites pelo destino das viúvas do golpe, o de 1964 e o de 2022/23. Basta uma alma penada pedir anistia e a imprensa corre atrás “para repercutir”. Do mal que iam causar não se fala. É coisa “da esquerda”. Também não se fala nem se explica que a tentativa do golpe é que é o crime. A sua execução é só a consequência. O crime já está cometido.
E por isso há duas penas para o mesmo fato: a abolição do estado democrático de direito e o golpe de estado. Para os otários que marcharam à Praça dos Três Poderes, no 8/01, o crime pode até se reduzir à tentativa de abolição do estado de direito. Os três poderes foram atacados para não mais funcionarem após a invasão e a quebradeira geral. O passo/crime seguinte seria dado pelas Forças Armadas, porém o golpe de estado — oh, que desgraça! — furou.
Mas para os mandantes, a abolição era apenas o meio e o golpe o objetivo final — a volta da ditadura de 64, desafiada pela eleição livre e democrática de 2022. A esses, não pode haver distinção de objetivos. Um crime não existia sem o outro e por isso as penas devem ser somadas.
A distinção é sutil, e nas sutilezas é que reside a essência das coisas. Entendê-las não é ser de esquerda, e não é exclusividade dela. O centro também entende. Quem não entende, porque não lhe agrada, é a direita.
Para a bolha dos descabeçados, golpista é herói. Para nós outros, é assaltante. Se a imprensa não partilha disto, estamos mal. E ela também — cada vez com menos leitores e menos dinheiro.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e ainda preocupado com a vida e os destinos da nação.
15/12/2025

