Quem quer a liberdade de cometer crimes e não ser incomodado pelo Judiciário e a polícia, das duas uma: ou é bandido ou é psicopata — que pode ser tão perigoso quanto o primeiro.
O tratamento para o segundo, conforme o grau de psicopatia, começa com um psiquiatra e, se não tiver jeito, termina num manicômio. Se for do tipo manso, pode ser tratado em casa, com remédios e assistência de psiquiatra, psicólogo, analista etc.
Não me cabe dizer, com certeza científica ou clínica, se a cabeleireira que participou da fracassada tentativa de golpe no 8/1 se enquadra em uma das duas categorias acima. Pode ser que não, pelo histórico relatado sobre ela. Não tinha antecedentes criminais e vivia uma vida aparentemente normal, sem surtos psicopáticos contra terceiros.
Mas que sabia o que estava fazendo nos acampamentos em frente aos quartéis, principalmente no de Brasília, para o qual se deslocou após o segundo turno das eleições de 2022, nem ela mesma negou ao ser inquirida pela Polícia Federal.
Uma dona de casa com marido e mãe de dois filhos estava fazendo o que na frente dos quartéis, fora de casa por pelo menos dois meses? Dois meses em que abandonou marido e filhos? O que, convenhamos, desmonta como castelo de areia na praia as alegações de sua defesa técnica, que veio com a história manjada da criatura exemplar, sem culpa no cartório e a família em prantos.
Talvez, como muitos e muitas, só quisesse orar aos pneus ou mandar luzinhas aos ETs. Mas mesmo nisso, visto como coisa de patetas pelos mais argutos, havia uma intenção explícita e voluntária: a de conspirar para impedir, por qualquer meio, a posse do candidato vitorioso na eleição presidencial. E isso é crime, se levado às vias de fato.
Não seria se ela tivesse ficado em casa chorando pelos cantos a derrota de seu candidato. O marido e as crianças diriam “deixa pra lá mamãe, em 2026 tem outra”, e ela se conformaria. Mas a mamãe ligou o modo belicoso e tomou uma decisão brutal: largou o recesso do lar e foi para a rua transformar sua choradeira em guerra ao oponente vitorioso.
Tal como fez o ex-presidente golpista após o resultado do segundo turno — ou muito antes disso, como comprovam investigações da Polícia Federal e o PGR confirma: o golpe já vinha sendo tramado desde 2021 e a luz vermelha acendeu quando o ex-capitão — expulso do Exército por indisciplina ao tecer um plano terrorista para reclamar dos seus salários — perdeu, para sua surpresa, o primeiro e o segundo turno da eleição de 2022.
O mimimi dos golpistas quer fazer com que os incautos acreditem que ela “só” pichou a estátua com um inocente batom. Ora, o batom é só a ponta do iceberg. Assim como batom na cueca é algo a ser explicado pelo marido que não apareceu em casa na noite anterior.
Ao que consta, mamãe golpista zanzou de acampamento em acampamento até chegar ao de Brasília e, após a tentativa frustrada de golpe no 8/1 de 2023, fugiu e apagou tudo o que tinha dentro de seu celular.
Por quê? Por que essa obstrução às futuras investigações? Por que o temor, se “nada” fez? E, coincidência ou não, o nome dela apareceu entre as coisas do Tiü França, aquele que se detonou em frente à mesma estátua que ela pichou. Mais: ela mesma confessou, no seu processo, que estava em Brasília para participar do acampamento em frente ao QG do Exército e protestar. Não disse que foi lá “só” para orar aos pneumáticos.
Dois ministros já votaram por 14 anos e uns quebrados de cadeia para a cabeleireira, presa numa penitenciária feminina de SP a uma hora de viagem de sua casa, no interior. A cana é por cinco crimes cometidos. Restam votar três ministros, pois o julgamento é numa das turmas de cinco em que se dividem os integrantes do STF (fora o presidente da Corte).
Pode ser que, nos votos restantes, um ou mais crimes sejam desconsiderados e ela pegue uma pena menor. A que vai prevalecer só vamos saber ao final, no acórdão.
As peças que faltam neste quebra-cabeças são a responsabilização criminal do QG do Exército de Brasília, e outros país afora, por permitir o acampamento em sua área de segurança, bem como a criminalização de toda a cúpula da seita golpista e seus asseclas no Parlamento (federal, estadual e municipal) e nos Executivos estaduais e municipais.
Parte dessa cúpula começa a ser julgada esta semana, incluindo o chefe “supremo”. Mas a lista de todos está longe de ser completa. Ainda há muito por fazer.
Quanto à raia miúda, o da cabeleireira é mais um entre milhões de episódios lamentáveis, criminais ou não, ocorridos nas melhores famílias, decorrentes da pregação golpista criminosa do ex-milico e da mitologia que criou, em que o chefe manda, os outros obedecem e que se danem se o tiro sair pela culatra.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e impressionado com o abandono das crianças de uma cabeleireira desmiolada que se mandou numa aventura atroz.
A foto da desmiolada em ação é de Gabriela Bilo.
24/3/2025
Um comentário para “Desmiolada criatura”