Briga boa

É no mínimo curioso como o tal de mercado analisa as sandices que vêm da Casa Branca. Agora respira com certo alívio, ante o acordo de 90 dias  com a China. O dólar recuou e a BV começa a avançar. 

Mas em vez de dar nomes aos bois, o mercado prefere subterfúgios. Todas as sandices ganharam o apelido, respeitoso, de “imprevisibilidades”. Como se o novo Napoleão merecesse as honras e o respeito de todos por ainda não ter sido recolhido ao manicômio. 

A bagunça geral que promoveu no comércio e nas finanças — dos EUA e do mundo — não tem conserto. Se correr, o gato pega; se voltar atrás, o bicho come. A confiança que o mundo já teve nos EUA, o rato comeu. E a que os norte-americanos tiveram no seu governo, o rato levou para a sobremesa. 

No final das contas — se é que vai ter fim —, os EUA continuarão com sua dívida externa colossal e o mundo continuará sendo credor de uma dívida impagável. 

No acordo temporário com a China, um Tio Sam alquebrado ficou sem os anéis para não perder os dedos. Contentou-se com uma taxa de 30% sobre os produtos chineses em seu território, quando já estavam acima de 200%, enquanto os chineses reduziram a pegada de 145% para 10% aos produtos americanos dentro de suas fronteiras. 

Ainda assim, é péssimo para os consumidores dos dois países, mas “mais péssimo” para um do que para o outro. As sandices custaram para os americanos 30% a mais do que pagavam pelos produtos chineses, e para os chineses, 10% a mais do que pagavam pelos produtos americanos. Só por aí já se vê quem ficou com a pior parte do estrago. 

A China sorri de um lado a outro dos lábios, como os orientais fazem. Dos EUA ela compra (comprava) commodities agrícolas em quantidades pantagruélicas. Agora, distribuiu essas compras entre os países que já eram seus fornecedores, entre eles o Brasil, fazendo todos darem gargalhadas de orelha a orelha, como os ocidentais fazem. 

Todos contentes, vamos para o segundo round. Neste, os países fornecedores da China vão pagar o preço das sandices. Isto porque o aumento das exportações de alimentos para a China terá consequências altistas nos mercados internos. No Brasil, onde os preços já estavam altos por razões de mercado e do clima, devem subir ainda mais. 

Essas consequências só poderão  ser menores nos países cujos governos tiverem feito estoques reguladores. O Brasil não fez. Toda a política de estoques foi desfeita no governo do Inominável, os armazéns estatais foram privatizados e os depósitos, zerados. Foram quatro anos de sandices por aqui também, acreditando, talvez, que a fé em Deus resolvesse os problemas que aparecessem. 

Não resolveu. Estamos no mato sem cachorro e recompor a infraestrutura que havia antes não se faz com orações, num piscar de olhos e sem verba no orçamento. 

Como se sabe, Deus não se imiscui nos negócios humanos. Estes são um campo de aprendizado exclusivo para os mamíferos que, em certa época, pulavam de galho em galho e cansaram disso, vindo para o chão correr todos os riscos da vida para… mudar de vida!

E nessa altura do campeonato, talvez o que nos resta seja mesmo orar para que os céus não desabem mais tragédias climáticas sobre as nossas cabeças. O agro vai precisar demais disso, e nós também. 

Mas uma ajudinha extra poderia vir do próprio governo, mandando reter nos silos privados algo como 10% do produto agrícola exportável.  

Uma briga boa de se ver. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e provocador.

14/5/2025

     

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