A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com sua história bicentenária, sempre se apresentou como bastião da liberdade, espaço do pensamento crítico e da convivência entre diferentes ideias. Foi ali que se redigiram cartas em defesa do Estado Democrático de Direito e ecoaram vozes contra o arbítrio em diferentes momentos da vida nacional. As Arcadas, como são conhecidas, cultivaram ao longo do tempo uma reputação de pluralismo e civilidade intelectual.
Por isso, preocupa o rumo de alguns acontecimentos recentes. O caso de um estudante impedido de colar grau, mesmo após ter cumprido todos os créditos com desempenho reconhecidamente excelente, é ilustrativo de um cenário mais amplo. A decisão judicial que anulou sua expulsão, apontando desvio de finalidade e desproporcionalidade, acendeu um sinal de alerta sobre os limites da atuação institucional quando esta se afasta do devido processo legal.
A sentença é clara: os fatos usados para justificar a expulsão ocorreram, em grande parte, fora do ambiente universitário e em contexto pessoal. A fragilidade das provas e a ausência de imparcialidade no processo administrativo comprometem o princípio fundamental da legalidade. Não se trata de relativizar comportamentos inadequados, mas de reafirmar que toda apuração precisa ser pautada por critérios objetivos, respeitando a presunção de inocência, e o amplo direito de defesa.
Este episódio soma-se a outros que vêm tensionando o ambiente da tradicional faculdade. Houve conflitos públicos entre professores, denúncias graves de assédio, tentativas de excluir docentes por divergências ideológicas — como no caso da professora Janaina Paschoal, que enfrentou resistência de parte do corpo discente ao tentar reassumir seu cargo após mandato parlamentar. Seja qual for o juízo que se tenha sobre suas idéias, é inaceitável que uma universidade pública recuse, por preconceito político, o exercício legítimo da docência por uma professora concursada.
O pluralismo não se defende apenas no discurso. Exige coerência institucional, serenidade diante dos embates e, sobretudo, um compromisso ético com a escuta. Não há democracia acadêmica possível se idéias divergentes forem tratadas como desvios morais ou riscos a serem neutralizados.
A cultura do cancelamento, mesmo quando travestida de zelo ético, fere os princípios que as Arcadas sempre buscaram honrar. Nunca é demais relembrar: os fins não justificam os meios. A sanção administrativa não pode ser utilizada para punir posições impopulares ou para responder a pressões de grupos organizados. Universidades não devem funcionar como tribunais ideológicos — mas sim como espaços de formação plural, de aprendizado mútuo, de tensão criativa entre diferentes.
Se as Arcadas desejam continuar sendo um símbolo da liberdade no Brasil e honrar as belas páginas da história que escreveu, precisam reafirmar com clareza que o pluralismo é um valor inegociável e que o Estado de Direito começa com a observância dos direitos consagrados em nossa Constituição.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 3/4/2025.