A gambiarra da vez

Sem explicar como pretende agir – “nós não queremos antecipar nem especular antes de concretizar os estudos para que possam ser anunciados” -, o ministro Rui Costa, da Casa Civil, anunciou que “serão anunciadas ponto a ponto” medidas de redução de impostos para baixar o preço dos alimentos, tendo como parâmetro as cotações internacionais de produtos similares. O anúncio sem anunciar o que será anunciado traduz com clareza o improviso das ações do governo Lula, quase sempre reativas, feitas no afogadilho depois de o caldo derramar.  

Repetem-se, assim, novelas recentes como o imbróglio da falsa taxação do Pix ou da frustrada importação de arroz pós-enchentes do Rio Grande do Sul. Desgastes desnecessários que o governo cria para si e que depois exigem suor, publicidade e dinheiro do pagador de impostos para tentar consertar.

A inflação dos alimentos pressiona o bolso dos brasileiros há tempos. Na segunda-feira, na primeira reunião ministerial do ano, Lula exigiu dos seus auxiliares soluções para o tema que tem impactado negativamente sua popularidade. A partir daí, derrubar os preços proibitivos da carne, do tomate ou da laranja se tornou urgente, alçado a uma reunião de emergência, na sexta-feira. Era preciso mostrar trabalho.

Mais uma vez, o governo optou pelo criativol em detrimento da lógica, expressa mais cedo pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad. Ele atribuíra a alta dos alimentos às intempéries do campo, enchentes e secas, e ao dólar, argumentando que tenderiam à normalidade com a próxima safra que se anuncia estupenda. Foi atropelado. De novo.

Costa, que dois dias antes já havia colhido reação negativa a uma desastrada declaração de que o governo faria intervenção no mercado para reduzir o preço da comida, se viu obrigado a garantir, oficialmente, que “não haverá congelamento, tabelamento, fiscalização”. Reafirmou que a presepada do ex-presidente José Sarney não seria ressuscitada, enquanto memes dos fiscais de Lula criados pela oposição pululavam nas redes sociais.

Há problemas de comunicação, sim. E o governo acerta em tentar corrigi-los. Mas eles são infinitamente menores do que os de gestão. O bate-cabeça diante de crises, com anúncios e soluções enviesadas de que gente do próprio governo desconfia, são prova disso.

Lula tem o que mostrar. Mais empregos e vigor na economia, crescimento real de salários e redução de desigualdades, reforma tributária, ampliação dos níveis de vacinação ou de frequência no Ensino Médio são apenas alguns exemplos. Mas as trapalhadas do próprio governo escancaram suas debilidades e a opção pelo imediatismo, como se o fim do mundo estivesse anunciado e a eleição fosse amanhã.

O improviso só agrava o erro. Experiente, Lula deveria conhecer essa regra de cor. Precisará muito dela para os desafios dos próximos dois anos, que se anunciam azedos mesmo para os que pouco erram.

À frente, Lula tem uma direita empoderada pelo semideus Donald Trump, quase uma dezena de pré-candidatos nesse campo com desembaraço e milhares de seguidores nos palanques virtuais, um Congresso ávido por dinheiro e poder. Nada que permita ao incumbente deslizes e erros tão primários como a batalha do Pix ou intervencionismo por comida barata.

Embora necessário e válido, pouco adianta tornar o perfil do presidente mais movimentado, descolado e divertido nas redes, como pregou o marqueteiro vitorioso Sidônio Palmeira, novo ministro da Comunicação. É preciso planejamento, coordenação, gestão. Do contrário, tem-se a gambiarra bem divulgada, o que pode até dar fôlego momentâneo para Lula, mas nenhum respiro ao país.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 26/1/2025. 

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