Xô, meu!

Primeiro de abril é dia de os milicos, políticos e empresários golpistas chorarem o fim do golpe militar de 64, para eles um paraíso na Terra. Por mim, podem chorar à vontade, que o choro é livre. Eu só não contava com o veto de um presidente da República do PT a essas reminiscências.

Diz a História que devemos lembrar os fatos, mesmo os mais terríveis, para que não se repitam, e os bons para que perdurem infinitamente. Um governante fechar os olhos para os maus momentos é um autoengano perigoso, pois pode dar a impressão de medo e impotência ante a realidade. 

O golpe de 64 foi uma violência que não pode ser esquecida. Por motivos exclusivamente ideológicos, sem nenhuma base real, os golpistas militares e os civis de fatiota, acompanhados de suas respectivas senhoras de terço na mão, e sustentados pela CIA e a dinheirama de Tio Sam, deram cabo de um governo democrático que queria fazer as reformas de base para dar impulso ao desenvolvimento econômico e social e modernizar o capitalismo selvagem de um país escravagista, perverso e reacionário. 

Vivíamos um momento crítico na economia, com inflação alta e dívida externa crescente. Mas nada que justificasse um golpe, até porque o ano seguinte era de eleições e o eleitorado poderia escolher outros caminhos, outras propostas para sairmos da crise democraticamente. 

O golpe de 64 vinha sendo tramado havia 10 anos. As primeiras tentativas ocorreram logo antes e logo depois do suicídio de Vargas, em 1954. Os milicos quase conseguiram impedir a posse de Juscelino Kubitscheck, em 1956, barrados em cima da hora pelo general legalista Henrique Duffles Teixeira Lott, então ministro da Guerra. 

Devemos a ele a continuidade de nossa, à época, fragilíssima democracia e o eleitorado foi extremamente injusto com ele na eleição disputada com o escalafobético professor de Português e louco de pedra Jânio da Silva Quadros, que os paulistas haviam alçado a vereador, depois a prefeito e ainda a governador. Uma adoração só rivalizada pela que nutriam à rinoceronte Cacareco, a quem deram 100 mil votos numa eleição para vereador em 1959. 

Jânio abriu caminho para nova tentativa de golpe com sua renúncia, nem bem esquentara a cadeira presidencial. Dessa vez, um valente governador de estado do Sul barrou os milicos, que não o perdoaram jamais. Leonel de Moura Brizola tinha condições de vencer a eleição presidencial de 1965, mesmo com Juscelino e Carlos Lacerda como adversários. Foi para impedi-lo que deram o golpe um ano antes. 

É minha tese como jornalista e, à época, estudante secundarista concluindo o ensino médio — o colegial. Cunhado não é parente, Brizola presidente! O chamado era mortal. A Campanha da Legalidade,  seu trunfo maior. 

Sempre tivemos o golpe como um fantasma à espreita na curva da estrada. Em 1889, saímos do Império para a República com um golpe militar. Os primeiros governos foram dos milicos e os seguintes tiveram sua presença nas coxias do teatro político. Em 64, a assombração ganhou carne e osso, novamente. 

Eu gostaria que o Brasil tivesse hoje um museu do golpe de 64. Um museu que contasse a história de todos os golpes. Daríamos um grande passo para novos tempos. Pois é olhando no olho das aberrações do passado que se avança para as conquistas do futuro, se me permitem um certo ufanismo nesta frase. 

Do contrário, o passado nos persegue. Xô, meu! 

Nelson Merlin é hornalista aposentado e espantado. 

29/3/2024

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