Vai, Michele

   Agora que as pontas de meus dedos descongelaram (o frio aqui é extremo, após a sucessão de enchentes de maio, que ainda não acabaram de todo), aproveito para escrever um pout-pourri sobre os últimos e alucinantes eventos das últimas duas semanas.

Começo por um pastor canadense que desembarcou em Porto Alegre após 10 mil km de vôo das geleiras do Ártico para a geladeira do extremo sul brasileiro. Tido como o atual guru do conservadorismo mundial, o pastor (de quem me recuso a escrever o nome para poupar meus dedos) saiu-se com esta no auditório Araújo Viana, lotado por 3.000 pessoas que pagaram ingressos de R$ 300,00 e R$ 600,00 para ouvir seu piedoso discurso: a culpa das enchentes catastróficas no Rio Grande do Sul é de Deus (e não de São Pedro como eu pensava, nem do agronegócio predatório e dos desmatadores, como eu também pensava), porque Deus castiga os pecadores. O auditório quase desabou em aplausos. 

Sim, pessoal, Deus ainda castiga. Eu pensava que essa antiga cantilena  era para assustar criancinhas  desobedientes das décadas de 50 para trás, mas que nada, serve também para faturar, digamos, R$ 1,350 milhão numa só noite — supondo que metade do público tenha pago R$ 300,00 e a outra metade, R$ 600,00. 

E tem gente, muita gente, para ouvir tais coisas e pedir bis. Deus, ou São Pedro, deve ter se condoído da santa ignorância do público e fechou a torneira. De lá para cá tem chovido muito pouco. Em compensação, abriu a porta da geladeira, mandando-nos  uma lufada de frio polar antártico que perdura há dias. Tão intenso que congelou as ondas das praias no extremo sul da Patagônia (não estou inventando — tem fotos!)

Só lamento que Deus, ou São Pedro, tenha deixado o pastor seguir leve e solto pela América do Sul em sua pregação, agora mais rico do que antes. Merecia ter sido congelado no chafariz do Parque da Redenção, vizinho ao Auditório. Em tempo: o pastor esteve aqui sob patrocínio da corretora XP, que pagou a conta da viagem e estadia para uma organização adequadamente chamada Brasil Paralelo. Não sei o que a XP tem com esse pastor, mas vi na Zero Hora a diretora responsável pela grana rebolar sem bambolê para explicar o patrocínio. 

Agora, vou à segunda parte (e, calma aí, tem uma terceira no fim). Alguém precisa dizer dentro da orelha do nosso presidente, com o fone de ouvido no máximo volume, que nossos juros pornográficos não vão cair no grito. É que a culpa não é do bolsonarista Campos Neto. A culpa é do modelo de metas do Banco Central, que manda subir a Selic quando a expectativa de inflação futura também subir. 

E quem faz a expectativa? Eu tenho a resposta, mas só conto se a XP me pagar R$ 1,350 milhões. No entanto, meu departamento de marketing dá uma dica. A culpa do juro alto é do déficit crônico dos nossos governos nos últimos 100 anos, combinado com safadezas mil da elite financeira para faturar em cima das burras do Tesouro Nacional. O resto — tem muito mais do que isso — eu só conto quando vierem as moedinhas. 

Hoje, quarta-feira, 3 de julho de 2024, tem uma reunião no Palácio do Planalto para dizer ao presidente Lula que em boca fechada não entra mosca, nem sai mosquito. Eu espero, honestamente, que dê certo e el hombre se calle. Pois quanto mais falar, pior fica. E que corte de uma vez os gastos que a essa altura a ministra Simone Tebet já sabe de cor e salteado. 

 Finalmente, meu gran finale. Eu tenho a solução para o impasse entre o velhote caduco e o futuro presidiário, mesmo com as imunidades recém-criadas pela Corte Suprema trumpista dos EUA. E nesse quesito não cobro ingresso, pois necessário se torna livrar o mundo do pior entre os piores desde a Segunda  Guerra Mundial. 

Estou fechado com Michele Obama e não abro. 

Pesquisa da Reuter/IPSOS esta semana mostra que a notável Michele deixa o escroque Trump na poeira, com 50% a 39% das intenções de voto, se ela fosse a candidata dos  Democratas. Isso sem campanha nenhuma. 

Michele resiste à ideia. Não quer. Mas nesse caso, penso eu, não tem não querer. Vai, Michele! Vai que é tua! Como se diz nos campos daqui, cavalo encilhado não passa duas vezes pela frente da porta de casa. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado, congelado mas risonho.

3/7/2024

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