Os dois foram companheiros na oposição à ditadura. Estiveram lado a lado nos palanques pelas diretas-já. Terminado o regime militar, um venceu o outro duas vezes consecutivas nas eleições para a Presidência – e no primeiro turno. Depois, o partido de um derrotaria o partido do outro quatro vezes seguidas nas eleições presidenciais. Foram, portanto, 24 anos de rivalidade entre seus partidos.
A rivalidade era tanta que quando, 30 anos atrás, um liderou a equipe que implantou o Plano Real, o partido do outro foi contra, chamou o projeto que pôs fim a décadas de hiperinflação no país de “estelionato eleitoral”.
Durante os oito anos do governo de um, o partido do outro fez oposição ferrenha, virulenta, incansável. E liderou campanhas pedindo o impeachment do então presidente.
Quando um foi afinal eleito depois das duas derrotas, o outro providenciou a mais limpa, transparente, educada transição de poder que o país já viu nas últimas muitas décadas. Em troca, teve do que assumiu o xingamento de que recebeu uma “herança maldita”.
Na campanha eleitoral do ano passado, em que um enfrentava o Mal em Si, a barbárie, o horror, o outro deu todo seu apoio ao que tantas vezes foi seu rival inclemente.
Ontem, 24 de junho de 2024, na semana em que se comemoram os 30 anos de implantação do Plano Real, um saiu de Brasília e foi visitar o outro em seu apartamento em São Paulo.
Civilizadamente.
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Vamos e venhamos: não há como negar que a visita de Luiz Inácio Lula da Silva a Fernando Henrique Cardoso é um acontecimento importante, um evento extraordinário. Literalmente: extra ordinário. Uma baita de uma notícia, vai.
Para facilitar a vida dos órgãos de imprensa, a Presidência da República distribuiu para quem quisesse fotos do encontro dos dois homens que, juntos, foram eleitos cinco vezes para o cargo mais importante da República. Com a grife de Ricardo Stuckert, esse grande fotógrafo.
Tá. A visita ao ex-presidente, no mesmo dia, de três ilustríssimos homens públicos que participaram da implantação do Real também é notícia, é claro. Só que, obviamente, Pérsio Arida, Pedro Malan e Gustavo Franco são do mesmo time de FHC. Não é tão impactante. Não é pouco usual, não é extrarodinário como uma visita de Lula.
Diacho: qualquer foquinha aprende na primeira semana de trabalho a lei básica. Cachorro morder homem não é notícia; se homem morder cachorro, aí é notícia.
Pois é. Que tristeza.
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Ahnn… Este textinho aqui não pretende de forma alguma ser sobre política. Os analistas políticos vão falar bastante do encontro Lula-FHC. A coluna de Merval Pereira no Globo desta terça-feira, por exemplo, é sobre o encontro. No lead, o primeiro parágrafo, ele escreve que “Lula parece ter compreendido que precisa dos órfãos do PSDB, de centro-esquerda, para combater a direita”. Ok. Mas este textinho aqui não é sobre política, não. É sobre notícia. Jornalismo.
Pois é. Que tristeza.
25/6/2024
Verdade, Sérgio Vaz.
Infelizmente, o jornalismo perde para textos patéticos nas ditas redes sociais – odientos muitas vezes, horripilantes e malfeitos. E acontecimentos iguais a esse encontro de presidentes com longa história de convivência política não são tão bem descritos como você o faz. Quanto ao acadêmico Merval, deixa pra lá. Não vale a pena.