O governador de São Paulo Tarcisio de Freitas mudou de estilo e de tom. Em uma só semana, casou três movimentos na mesma direção: vazou sua pretensão – algo que ele nega – de trocar seu atual partido, o Republicanos, pelo PL do padrinho Jair Bolsonaro; enviou para a Assembleia Legislativa um projeto de criação de escolas cívico-militares, tema caro ao público do ex, e abandonou a persona moderada que lhe assegurou trânsito no eleitorado avesso às paixões extremas.
“Pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não estou nem aí”, reagiu ao ser questionado sobre as denúncias de violência policial na Operação Verão, que já deixaram 39 mortos, encaminhadas à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas pela Comissão Arns e ONG Conectas. De imediato, Tarcísio trouxe à memória o repugnante “eu não sou coveiro”, com o qual Bolsonaro demonstrou o absoluto descaso com os mortos pela Covid 19.
Ao que parece, nada feito ou dito por acaso.
A postura mais agressiva, definida no pós 25 de fevereiro, quando foi ovacionado no palanque de Bolsonaro na Avenida Paulista, teria dupla serventia: ser ungido candidato à Presidência ou se firmar quanto à reeleição. Para ter chance de sucesso na peleja, a obrigação número um é agradar Bolsonaro e falar a mesma língua dos rebentos do ex, sempre influentes nas escolhas do pai. Segurança Pública é a vitrine mais direta.
Ponto nevrálgico do governo Lula e da esquerda em geral, acusada de defender “direitos humanos de bandidos”, a segurança pública lidera entre as maiores preocupações dos eleitores. Parte significativa desse público aplaude o “bandido bom é bandido morto”.
Na disputa de 2026, o tema tem outras estrelas do mesmo campo que Tarcísio busca liderar, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), com números expressivos de redução de criminalidade em seu Estado. Mas Caiado ainda não aparece no radar dos presidenciáveis. No caso da reeleição, o governador paulista mira o adversário Geraldo Alckmin (PSB), vice de Lula, que tem um forte recall, construído em mais de uma década e meia de assento no Palácio dos Bandeirantes.
Para engordar votos para uma ou outra hipótese, Tarcísio segue a trilha de Bolsonaro junto ao grupamento armado que tem à disposição. Como não conta com Exército, Marinha e Aeronáutica, confere poder às polícias Militar e Civil, seja nos aumentos salariais – policial ganha mais do que professor no Estado mais rico do país -, seja nas políticas de proteção absoluta, mesmo quando os abusos das forças são visíveis.
A exemplo do ex-chefe na lida com as vítimas da pandemia, o governador não dirigiu uma única palavra às famílias dos mortos nas operações Escudo e Verão, que relatam execuções sumárias, fraudes processuais e torturas, muitas delas endossadas pela Ouvidoria da Polícia Militar e pelo Ministério Público.
Adicionalmente, corrobora com as afirmativas absurdas do seu secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, aquele que acha que o bom policial tem de ter pelo menos três homicídios na sua ficha, defensor implacável do abandono do uso de câmeras corporais pelos PMs. O auxiliar do governador não se constrange em admitir que o equipamento “inibe a atuação dos policiais”. Sem filmagens para auxiliar nas investigações – inclusive em favor dos policiais -, as apurações das duas operações mais letais já realizadas em São Paulo dependem exclusivamente de depoimentos. E os das testemunhas oculares e familiares não parecem ter qualquer peso.
As escolas cívico-militares, modelo criado por Bolsonaro e suspenso no governo Lula, são a face complementar para adular a polícia. O governador diz querer usar policiais militares da reserva para conferir “disciplina” e “civilidade” em escolas de regiões com índices de rendimento inferiores à média estadual, altas taxas de vulnerabilidade social, reprovação e abandono. Como se policiais fossem exemplares nesses valores e que tais quesitos tivessem algum impacto na evasão dos jovens, nas comunidades desassistidas pelo Estado, na reversão da miséria. São as tais saídas fáceis e equivocadas, incapazes de solucionar problemas complexos, mas que fazem sucesso entre seguidores fiéis.
Tarcísio não deve abandonar completamente o estilo de “bom rapaz moderado”, que faz mesuras e recebe elogios de Lula. Mas ficou animado com o que viu na Avenida Paulista. Pesquisa do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP), feita com 575 pessoas durante a manifestação, apontou que sem Bolsonaro na cédula ele é o preferido de 61% dos entrevistados para concorrer ao Palácio do Planalto.
Ao que parece, o governador paulista não pretende desperdiçar a areia que colocaram em seu caminhão, ainda que para isso tenha de incorporar o pior do ex-chefe. É o que ele começou a fazer, sem qualquer contestação visível dos chamados moderados, que sempre reclamam da polarização, mas que há tempos não dão as caras em eleições.