Sossego!

Chega um dia em que algumas pessoas que moram nas cidades grandes, ou mais ou menos grandes, têm seu momento de stress e começam a pensar em morar no campo pra fugir do trânsito, dos escapamentos turbinados, dos motoboys que vão se esgueirando entre os carros tocando a buzina nas orelhas dos motoristas, enfim…

Mas morar no campo também tem também suas desvantagens. Os sítios ficam longe dos centros urbanos e dificultam a vida de quem tem de levar criança  pra escola, ficam distantes dos supermercados (eu morro se não tiver um por perto), aumenta o consumo de combustível, e por aí vai.

E, entre ficar longe no campo e morar na cidade, optamos por ficar na cidade numa quase casa de campo. Terreno grande, afastado do centro, mas perto o bastante pra estar lá quando quisermos, quintal fechado por muro alto coberto por plantas que abafam os sons das ruas – menos o da pamonha de Piracicaba. Esse já tá impregnado no ar do país inteiro.

Só que pra isso é preciso estar preparado. Dá trabalho? Dá! Tem bichos? Tem!

Desde que nos mudamos pra casa onde estamos morando há oito ano, já vi vários tipos de bichos tanto no jardim quanto no pequeno pomar, se é que se pode chamar de pomar um espaço com uma pitangueira, um pé de jabuticaba, um de limão taiti, outro de limão-cravo e uma parreira.

Com as plantas chegam também as nojentas e inevitáveis baratas voadoras, as aranhas de pernas longas que cismam em visitar a casa de vez em quando e os pernilongos. Ah, esses pernilongos! São muitos e, pior, são imorríveis. De raquete eletrônica em punho passo o dia fazendo malabares tentando acertar os vampirinhos ávidos por sangue humano. Nessas investidas, descobri que pernilongo trepa pra caramba. Por várias vezes peguei um casal frigindo na raquete. Chego até a ficar com dó, mas passa logo. Prefiro achar que morreram felizes e que evitei virar mamadeira de sangue dos sedentos pernilonguinhos que poderiam sair desse acasalamento.

Também tem os gambás quem vêm chupar minhas uvas. Até aí tudo bem, posso dividir com eles, mesmo porque na falta delas posso ir na frutaria e comprar uns cachos. O problema é que eles chupam a fruta e jogam a casca no chão. Podiam, pelo menos, jogar na terra pra evitar que alguém escorregue nelas.

Passarinhos de todas as cores e tamanhos surgem em voos rasantes. Pousam e decolam em manobras mirabolantes.

Alguns incautos ou talvez com problemas de visão chegam a trombar com o vidro da janela da sala. Um dia desses um sanhaço se esborrachou e ficou estirado no chão. Que dó! Tentamos mexer com ele e nada, parecia que seu pescoço estava quebrado. Chorosas, eu e minha filha rezamos uma pequena missa de corpo presente e, quando nos preparávamos para enterrá-lo, o bichinho saiu voando.

Ficamos tão felizes porque já tínhamos passado por um trauma na semana anterior, com um enorme sapo que permanecia imóvel num canto da garagem, aparentemente atropelado por uma de nós. Achamos que o anuro já tinha ido pro brejo, mas ainda assim, com cuidado, com a ajuda de uma pá e de uma vassoura, conseguimos levá-lo pro gramado e o entreguemos à sua própria sorte. Pra nossa surpresa, no dia seguinte não o encontramos em lugar algum. Deve ter recuperado as forças e saltado para a vida.

A novidade da casa agora é um grilo. Ele começou a cantar no jardim há exatos quatro dias.

No primeiro fiquei tão animada. Não ouvia esse som há muito tempo.

Chamei minha filha pra ouvir e, com entusiasmo, sugeri que ela se sentasse um tempo na varanda pra curtir a novidade.

No dia seguinte foi a vez da minha neta: “Vem ouvir, Lu. Escuta esse canto gostoso. Não é sempre que tem um bichinho fazendo trilha sonora no nosso jardim”.

No terceiro dia fechei a porta da sala porque não estava conseguindo ouvir direito o som da TV.

No quarto dia, eu já até às tampas com o bichinho, explodi: Pqp! Que insuportável esse barulho. Não tem como parar esse cricri?

Dura é a vida!

P.S.: Depois que escrevi o texto, o céu desabou sobre minha cidade, causando quedas de árvores, alagamentos e, possivelmente, afogamento do grilo. Já tem duas noites que não escuto sua música.

E como eu fiquei? Triste, com saudades do cricri.

Vá entender!

Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 12/1/2024. 

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