Senna, o herói

Trinta anos atrás eu estava em minha casa em Londrina-PR, assistindo pela televisão à corrida de Ímola. Parei para tomar um café e ouvi o Galvão Bueno dizendo: Senna bateu, bateu forte!

Corri para a tevê e vi o carro de Senna destroçado na mureta de retenção da pista, justo onde não havia pneus de proteção. 

Galvão Bueno estava mudo. Só a cena gritava nos meus olhos e ouvidos: Ele morreu! O impossível aconteceu! 

A cabeça pendeu para o lado e tombou na lateral do cockpit. Numa fração de segundo, Airton Senna da Silva estava morto. 

Saí disparado para a Redação da Folha de Londrina, no centro da cidade, que eu dirigia. Num dia comum eu levava 10 a 15 minutos para chegar. Naquele, com a pequena cidade parada pelo feriado e pela transmissão da TV Globo, e o coração disparado, levei três minutos. Entrei na redação e o televisor mostrava o mesmo horror, o carro destroçado e a cabeça dele parada na lateral do cockpit. Os jornalistas presentes, que estavam de plantão, balbuciavam: Ele morreu! 

Retiraram o corpo de dentro do cockpit e o colocaram no chão de brita, ao lado da Williams. Agachados sobre ele, os socorristas faziam alguma coisa, tentavam reanimá-lo. Mas o corpo inerte jazia no chão, sem movimentos. 

Ele está morto — disseram à minha volta. Uma desaceleração de 300 km/h para zero em pouco mais de 1 segundo — o tempo para voar da pista e chocar-se com a mureta — é fatal. Não só pelo choque, mas pelo deslocamento abrupto do cérebro dentro do crânio, onde flutua como um bebê no líquido amniótico antes de nascer. 

Os pneus de proteção pouco ajudariam. Os socorristas nada poderiam. A fatalidade tinha ido ao encontro do maior piloto de corridas do Brasil e, até aquele momento, da história do automobilismo mundial. 

A corrida foi interrompida e deveria ter parado ali, por ter ocorrido morte na pista. Mas levaram o corpo de helicóptero para o hospital, onde foi declarado o óbito. Não o respeitaram e a corrida seguiu. Senna passou a ser apenas mais um herói morto pelo destino. 

Destino? Pode ser. Mas uma barra de direção rompida justamente no local de uma solda feita para essa corrida dá o que pensar: foi o destino ou foi uma falha humana na execução do serviço? E por que foi feito? 

A primeira pergunta não tem resposta, porque a barra de direção poderia ter se partido no momento do choque, e não antes. A segunda tem resposta, que pode levar à primeira. 

Senna reclamara da instabilidade do carro e do pouco espaço que tinha para pilotar devido ao comprimento maior da coluna de direção. Além do espaço menor, as mãos batiam na lateral do cockpit quando ele virava o volante. Por esses dois motivos decidiram encurtar a barra de direção para o volante ficar mais ao fundo e dar mais espaço ao piloto — de forma arriscada e fora de padrão, às vésperas da corrida. 

O certo seria substituí-la por uma  nova e mais curta ou trocar de carro. Preferiram a solução meia-boca e Senna acabou concordando. Mas seu olhar fixo, frio como pedra, examinando o carro na noite anterior dentro do box, como a pensar se corria com ele ou não, se estava tendo uma visão premonitória ou não, esse olhar fica para a eternidade. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e indagativo. 

1º/5/2024

     

 

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