Ponto final

Parece que agora acertaram a dose de Gardenal. Mas por via das dúvidas, deram-lhe também um charuto de cannabis, que ele aproveitou até o talo, deixando-se inclusive fotografar com um resto do artefato entre os dedos. 

O resultado desse duplo ato é que o paciente pôs o galho dentro, tão rapidamente quanto o erguera para fustigar, uma semana atrás, o ministro Xandão, o presidente Lula, as instituições, a democracia brasileira, nossa liberdade de expressão e o escambau. 

Os advogados do X fizeram chegar ontem à Suprema Corte e ao TSE uma informação oficial segundo a qual o X cumprirá todas as ordens emanadas, já vindas ou por vir, dos dois órgãos máximos do Judiciário brasileiro em matéria constitucional e eleitoral. Assim, curto e grosso e ponto final. 

Antigamente, era a Europa que se curvava ante as mais criativas idéias brasileiras. Hoje, é o bilionário que coleciona algo em torno de US$ 190 bilhões  em seu portfólio patrimonial. O valor representa quase um décimo do PIB brasileiro de 2023 (que foi de US$ 2 trilhões e uns quebrados). 

Elon Musk anda nervoso por conta de perdas bilionárias nos seus negócios mais conhecidos, como a Tesla, o X, a SpaceX e a Starlink. Além disso, seu ídolo Donald Trump começa a responder ao processo de falsificação de assinaturas e documentos da contabilidade de suas empresas para esconder a propina que pagou a uma starlet pornô com quem andou pulando a cerca na vigência de seu casamento com Melanie, durante a campanha eleitoral de 2016. 

Tudo junto e misturado balança o coreto do bilionário que quer desembarcar em Marte ou Vênus nos próximos anos – ainda não se sabe bem qual o destino, afinal. 

Não recomendo nenhum dos dois aos também bilionários que pretendem se aboletar no foguete. Vênus é lindo de ver da Terra ao pôr do sol. Mas seu brilho encantador esconde um forno abrasador que chega aos 450 graus celsius na superfície, com brisas de 200 km/h para refrescar. Ou se morre fritado em instantes, ou se sai voando para o espaço à velocidade de um bólido desembestado, mal se abra a porta do módulo de descida da SpaceX.

Marte, por sua vez, é gelado como um frigorífico hermeticamente fechado e não tem atmosfera nem para se defender da radioatividade solar, muito menos para respirar. Toda a água e todo o ar se foram para o espaço, por força de um fenômeno que aqui os políticos da direita e extrema direita desdenham, e os cientistas não se cansam de explicar: o superaquecimento global causado por gases do efeito estufa. Quem descer por lá terá de se contentar em virar uma pedra de gelo no primeiro instante e morrer da radiação no segundo. Não vai dar nem para ver a paisagem num piscar de olhos. 

Não sei o que leva os excêntricos biliardários a encher os bolsos de Musk comprando bilhetes aéreos para destinos tão devastadores. Se fosse para descer na Lua, vá lá. É nossa amiga mais sexy no cosmos. De lá se vê um belíssimo planeta azul, enorme e brilhante, dominando o escuro horizonte do espaço. 

Da Lua, sim, poderiam escrever poemas de amor à nossa Terra. Até aqui, único lugar desta galáxia que borbulha de vida inteligente, capaz de cometer as maiores atrocidades mas, ao mesmo tempo, fazer a poesia de Schiller, uma página de Albert Camus em Les Noces ou a serenata de Schubert na Ständchen convertida ao piano por Liszt e magistralmente interpretada por Katya Buniatishvili. 

Ouvi-la — é de graça, no YouTube — é mais, muito mais do que voar para a Lua. 

Nelson Merlin  é jornalista aposentado e sonhador. 

16/4/2024

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