Na última quarta-feira, dia 26 de junho, o mundo teve a oportunidade de assistir, em tempo real, à versão atualizada da comédia italiana O Incrível Exército de Brancaleone, dirigida por Mário Monicelli.
O filme estrelado magistralmente pelo ator Vittorio Gassman mostra como um pequeno grupo armado com pedras e lanças tenta conquistar um feudo medieval, com garantia de posse através de um pergaminho roubado de um emissário.
O grupo formado por quatro personagens caricatos – um velho, um jovenzinho, um homem gordo e um magro – se livra do emissário, jogando seu corpo ainda vivo no rio, e ficam com o pergaminho que ele portava. Esse documento assegurava a posse da cidade de Aurocastro, no sul da Itália, ao seu portador. Os quatro viram aí a chance de ficarem ricos, mas para isso precisavam achar um cavaleiro que se tornasse líder deles. E, eis que, do nada, surge ele, o “nobre” maltrapilho e desastrado cavaleiro Brancaleone da Norcia, montado em seu imponente cavalo Aquillante.
Daí pra frente, uma série de acontecimentos vai fazer a platéia rolar de rir até o fim do filme.
Quando foi lançada essa comédia em 1966, seus autores certamente nem imaginavam que imitadores da trama continuassem a surgir ao longo dos anos.
Pois foi mais ou menos isso o que aconteceu neste junho de 2024 num país abaixo da linha do Equador.
A Bolívia passou por quase quatro horas assistindo a um filme de aventura política com uma boa dose de comédia, quando o ex-comandante do Exército boliviano, Juan José Zúñiga, afastado no dia anterior por ameaças ao ex-presidente Evo Morales, resolveu juntar meia dúzia de soldados e alguns blindados para invadir o Palácio do Governo e destituir o atual presidente Luís Arce.
A comédia começa com a tentativa de entrar com um blindado no palácio.
Primeiro, seguem direto para o antigo Palácio do Governo, que hoje só serve para assuntos protocolares e não como a sede que abriga o presidente.
Segundo, esqueceram-se de medir a largura da porta de entrada do palácio. O que se viu em seguida foi uma série de hilariantes manobras do motorista do blindado tentando passar com seu “Aquillante” pelo vão que era mais estreito do que supunham.
Quando soube do acontecido, Arce se dirigiu ao local e deu um passa-moleque nos paspalhos. Num bate-boca acirrado com Zúñiga, o presidente mandou que ele desmobilizasse a tropinha que marchava em coreografia que lembrava mais uma dança da chuva das tribos indígenas, que enfiasse o rabo entre as pernas e que vazasse dali.
Logo após, Juan José Zúñiga foi preso e declarou que o golpe tinha sido encomendado pelo próprio presidente, que esperava com isso ganhar popularidade, já que poderá enfrentar seu ex-aliado e hoje adversário político Evo Morales nas urnas. Que babado!
Antes havia dito a TVs locais que o movimento era uma “tentativa de restaurar a democracia” e de “libertar prisioneiros políticos”.
Vá saber! O exaltado general que ameaçou prender Alexandre de Moraes, digo, Evo Morales, caso fosse eleito nas próximas eleições, não é lá flor que se cheire. Antes de assumir o comando do Exército em 2022, era chefe de gabinete da Presidência da República, e segundo a imprensa boliviana, teria se aproveitado do cargo e enfiado o pé na jaca com o desvio de 2,7 milhões de pesos bolivianos que iriam pra programas sociais.
De qualquer maneira, essa tentativa de golpe deu o que falar por ter sido um atentado à democracia e, principalmente, pela precariedade da execução da operação pra lá de desastrosa.
E, tendo como base o filme italiano, o movimento boliviano também poderia virar um clássico da comédia, com algumas poucas adaptações. Bastaria trocar o refrão da trilha sonora do filme original, Leon, Leon, Leon…por Juan, Juan, Juan…
Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 28/6/2024.