Desde junho do ano passado, quando o TSE tornou Jair Bolsonaro inelegível, pretensos herdeiros começaram a colocar suas fichas na mesa, movimento que se intensificou com o indiciamento do ex pela Polícia Federal. Alguns mais afoitos, como o governador de Goiás Ronaldo Caiado (União Brasil), outros menos, como os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) – já descartado do baralho -, o do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), e o de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), o preferido. Correndo por fora, Michele Bolsonaro (PL) e o autodeclarado plano B, deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O que os engarrafados postulantes à direita e boa parte dos analistas parecem desprezar é o elemento Pablo Marçal, que só não disputará a Presidência em 2026 se for judicialmente impedido.
Marçal tentou concorrer em 2022, mas teve sua candidatura suspensa por lambanças do Pros, partido ao qual estava filiado à época. No ano passado, fez muita gente suar frio na corrida paulistana, terminando em terceiro lugar no primeiro turno com diferença mínima em relação aos líderes. Bateu em 28,1% dos votos, muito próximo dos 29,1% de Guilherme Boulos (PSOL), com apoio escancarado do presidente Lula, e dos 29,5% do prefeito Ricardo Nunes (MDB), reeleito com as bênçãos do bolsonarismo.
Chegou a balançar o coração do próprio Bolsonaro, que só refluiu ao perceber que Marçal não se renderia à sua liderança. Disputava o mesmo público e poderia incomodar sua majestade. Mas a teologia da prosperidade do coach foi rapidamente absorvida à direita, incluída no mote “família, verdade, liberdade, prosperidade”, e pelo governo Lula, no programa “Caminho da Prosperidade”.
Mesmo contaminada pelo recall, a única pesquisa para presidente que incluiu o nome de Marçal, realizada pela Quest pouco depois das eleições municipais, acendeu o alerta: a popularidade de Marçal já havia ultrapassado os limites da capital paulista. Nela, Lula apareceu com 32%, o coach com 18%, à frente dos 15% do governador Tarcísio.
Concorrendo na maior cidade do país pelo minúsculo e encrencado PRTB, sem um centavo do fundo eleitoral e sem horário no rádio e na TV, Marçal deixou marqueteiros de cabelo em pé. Usou as redes sociais, incluindo o discutível e possivelmente ilegal concursos de cortes (vídeos curtos em que o autor recebe premiação em dinheiro) e uma postura agressiva e desrespeitosa nos debates de TV, trunfo que fez dele a principal atração do pleito.
Mentiu deslavadamente, irritou a todos. A ponto de tomar uma cadeirada do apresentador José Luiz Datena (PSDB), atitude que o manteve na crista da onda por dias. Ao final da campanha forjou um atestado médico com uma falsa internação do adversário Boulos por uso de drogas, calúnia que ele havia lançado em debates.
Não à toa, Marçal passou a ser investigado pela Justiça eleitoral, que, no limite, pode impedi-lo de concorrer por oito anos. Mas a denúncia contra ele está morna. Não se tem notícias do andamento no TRE, primeira instância do processo, que, em caso de condenação, ainda teria de percorrer outras duas instâncias – o TSE e o STF. E o tempo até 2026 é curto.
Atualmente, Marçal tenta se filiar ao União Brasil – o mesmo partido de Caiado – ou qualquer outra legenda mais assentada, com representação em todo o país e direito a dinheiro do fundo eleitoral. Enquanto a definição não vem, ele se diverte com as derrapadas da direita. Chegou a anunciar em suas redes que, do jeito que as coisas andam, Lula será reeleito.
Tarcisio, até então o melhor colocado entre os sucessores de Bolsonaro, teve uma semana dura. Viu sua política de segurança “não tô nem aí” (expressão que usou depois da matança das operações Escudo e Verão na Baixada Santista) ser jogada como saco de lixo em uma ponte de rio, matar uma criança de 4 anos, espancar uma senhora de 61 anos e balear com onze tiros nas costas um ladrãozinho de supermercado. Foi demais até para quem preconiza a horrorosa máxima de que bandido bom é bandido morto.
O governador bolsonarista que tenta se vender como moderado até ensaiou uma correção de rumo, assumindo erros na visão que tinha contra as câmeras corporais para a polícia e no mau exemplo que vem de cima, incluindo os dele próprio. Um caminho que para ser virtuoso teria de ser acompanhado da demissão de seu secretário de Segurança, capitão Derrite, um incitador da violência, afastado da Rota por truculências, que despreza policiais com menos de três mortes no currículo.
Lá na Argentina, alheio às dificuldades de Tarcisio, o filhote 03 lançou sua candidatura caso a inelegibilidade do papai seja mantida. Bolsonaro não quer Michelle, a quem ele reserva a disputa ao Senado do DF, e talvez preferisse o 01, senador Flávio, mas que em campanha se veria novamente acuado pelas rachadinhas.
Na sexta-feira, o ex puxou o tapete do filho com contundência: “O plano A sou eu, o plano B sou eu também, o plano C sou eu”, deixando claro que vai insistir na candidatura. Aposta em anistia, perdão, reza brava. Imagina-se como a fênix da ressurreição de Lula, sem compreender a raridade da ave. É aqui que Marçal, candidatíssimo, traça o seu voo, que só será impedido se a Justiça eleitoral cortar as suas asas.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 8/12/2024.