Os fatos todos na Venezuela nestes últimos anos – e especialmente, claro, nos últimos dias – deixam a gente profundamente triste, desanimado, angustiado. Mas, para além dos fatos trágicos em si, é desalentador, desanimador, depressivo, ver as reações do governo brasileiro à tragédia mais que anunciada.
Não tenho vigor suficiente para fazer uma análise ampla geral irrestrita de toda a vergonhosa atitude do governo lulo-petista ao longo das últimas semanas, dos últimos dias. Mas a entrevista que Luiz Inácio Lula da Silva deu na manhã desta terça-feira, 30/7, à repórter Eunice Ramos, da TV Centro América de Cuiabá, me provocou engulho profundo – e não consegui me impedir de tentar fazer um registro, neste meu site, do que poderia entrar para a História do Brasil como um dos discursos mais canalhas, mais calhordas, mais infames, mais ignóbeis, mais velhacos, mais vis jamais perpetrados por um presidente desta República.
Lula foge da verdade, estapeia a lógica, faz pouco da inteligência das pessoas, tortura os fatos e a verdade.
É histórico. É nojento.
Diante da pergunta da repórter sobre a eleição na Venezuela, Lula disse que Nicolás Maduro garantiu para o assessor especial Celso Amorim: “Eu vou apresentar a ata”.
“Só não disse quando, mas disse que vai apresentar”, acrescentou, sem corar, sem demonstrar um pingo de vergonha, sem que houvesse sinal de que tivesse passado óleo de peroba na cara de pau antes do início da entrevista.
E prosseguiu:
“Então nós tivemos um processo eleitoral que teoricamente foi pacífico. Não houve violência, não houve nada. Tem um resultado apertado. Sempre que tem um resultado apertado as pessoas têm dúvidas. Aqui no Brasil você viu o que aconteceu. Mesmo quando o Aécio perdeu para a Dilma, que entrou com recurso para anular a eleição.
“Então, veja: é normal que tenha uma briga. Como é que vai resolver essa briga? Apresenta a ata. Se a ata tiver dúvida entre a oposição e a situação, a oposição entra com recurso e vai esperar a Justiça tomar o processo. E aí vai ter uma decisão que a gente tem que acatar.
“Eu estou convencido de que é um processo normal, tranquilo. O que precisa é que as pessoas que não concordem tenham o direito de se expressar, tenham o direito de provar que não concordam. E o governo tem direito de provar que está certo.”
Até as emas do Palácio do Planalto estão cansadas de saber que não há Justiça independente na Venezuela, que vive sob uma ditadura desde que Hugo Chávez assumiu o poder, em 1999, há um quarto de século já – e, ao longo deste tempo, os poderes ditatoriais só têm se ampliado. Não há nada parecido com uma Justiça Eleitoral como a brasileira, independente dos demais poderes. E Judiciário e Legislativo foram tomados de assalto pelos ditadores, primeiro Chávez, depois seu herdeiro Nicolás Maduro.
As emas do Palácio do Planalto estão cansadas de saber – mas Lula, na cara de pau, finge que não sabe. Há tanto tempo ele diz que na Venezuela há democracia demais que é até possível que ele de fato tenha passado a acreditar mesmo nisso.
“Eu estou convencido de que é um processo normal, tranquilo.”
E mais adiante:
“Não tem nada de grave, não tem nada de assustador, eu vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial. Não tem nada de anormal. Teve uma eleição. Teve uma pessoa que disse que tem 51%, tem outra pessoa que teve 40 e pouco por cento. Um concorda o outro não, entra na Justiça e a Justiça faz.”
Não, o processo eleitoral da Venezuela não é normal, tranquilo, não. E não, a imprensa brasileira não está tratando o tema como se fosse a Terceira Guerra Mundial.
Não é normal um processo eleitoral em que diversos candidatos são proibidos pelo governo de plantão de concorrer. Em um país em que os órgãos independentes de imprensa vão sendo fechados um a um. Em que a cédula eleitoral tem 13 fotos do ditador candidato à reeleição. Em que, de um total estimado em 4,5 milhões de eleitores que saíram do país em busca de melhores condições de vida são proibidos de votar. Em que o ditador ameaça com “banho de sangue” e “guerra civil fratricida caso ele não seja reeleito. Em que observadores estrangeiros neutros e fiscais do candidato opositor são proibidos de acompanhar a situação. Em que o sistema do órgão eleitoral dominado pelo ditador sai do ar depois de algumas horas de apuração.
A imprensa brasileira está tratando o tema com a importância que ele tem. Assim como a imprensa dos países democráticos mundo afora.
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Em artigo límpido feito água de nascente, com o título de “Os democratas e os demais”, publicado no Globo desta mesma terça-feira em que Lula cometeu essas barbaridades, Pedro Doria escreveu:
“O bolsonarismo separou, na direita brasileira, quem tinha convicções democráticas de quem não tinha. (…) Esta eleição na Venezuela terá efeito similar na esquerda. Separará os que têm convicções democráticas dos que não têm. Vamos ser claros: houve fraude. Para ser mais claro: há um golpe de Estado em curso na Venezuela. Um autogolpe sendo impetrado pelo governo Nicolás Maduro.”
E conclui:
“Um pedaço da direita brasileira é golpista. Será bom saber, com clareza, que pedaço da esquerda está conosco no conjunto dos democratas. E que pedaço acha que democracia vale só quando é para a esquerda estar no poder. Ficará claríssimo nos próximos dias.”
Perfeito.
A nota da executiva nacional do PT que classificou o processo eleitoral da Venezuela como uma “jornada pacífica, democrática e soberana” deixou as coisas claras.
O discurso canalha de Luiz Inácio Lula da Silva também.
30/7/2024
As ilustrações são as manchetes das home pages de O Globo, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo (nesta ordem, de cima para baixo) na noite desta terça-feira.