A diplomacia do governo Lula teve o seu melhor momento na Cúpula do G20, realizada no Rio de Janeiro no início desta semana. Chegou-se ao que parecia ser impossível, um documento final consensual. Isso não aconteceu nas duas últimas reuniões do grupo dos principais 20 países do mundo. Para Lula, houve um sabor especial de vitória a criação de uma Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, tido pelo presidente brasileiro como o maior legado do seu mandato à frente da presidência do G20.
Não se constrói um consenso dessa natureza sem concessões de todas as partes. Pode-se arguir que o documento final foi tíbio em relação à guerra da Ucrânia, não citando nominalmente a Rússia para não confrontar o país de Vladimir Putin. Mas também não citou Israel para não melindrar os Estados Unidos, no caso da guerra do Oriente Médio. A diplomacia existe para isso. Para desobstruir canais e possibilitar os avanços possíveis. Ao final, até mesmo a Argentina de Javier Milei ingressou na Aliança Global e não se opôs ao documento final, apesar de ter marcado suas divergências.
Para o governo brasileiro fica uma lição especial. Quando sua política externa se pauta pelo profissionalismo e em sintonia com a doutrina desenvolvida pelo Itamaraty ao longo do tempo, colhe frutos positivos. O inverso também é verdadeiro. Quando deixa de lado os valores fundantes dessa doutrina e envereda pelos caminhos tortuosos da ideologização, se isola e amarga derrotas, como aconteceu em relação à crise venezuelana.
Sim, Lula e o Brasil têm motivos para comemorar, apesar da bola fora da primeira-dama, com seu gesto infanto-juvenil de agredir gratuitamente Elon Musk. Anunciam-se muitas pedras no caminho para uma boa relação com o futuro governo de Donald Trump; criar atritos desnecessários é amplificar as dificuldades. Mas isto não ofusca o fato de que o país deu uma contribuição positiva para que a Cúpula do G20 não fosse mais um encontro anódino. Isso deve-se em parte a habilidade do presidente em negociar e em muito ao Itamaraty – esse, centro de excelência.
Dito isto, não se pode superestimar os avanços dados na reunião do Rio de Janeiro. Há o risco real de suas resoluções serem mais uma declaração de boas intenções. Não por culpa do Brasil, cujo peso no cenário internacional é de uma potência média. Podemos ter papel relevante regionalmente, se nossas relações com os países vizinhos perderem o verniz ideológico. Mas nossa capacidade de interferir globalmente é limitada pelo tamanho de nossas pernas.
O mundo vive hoje uma tendência à centrifugação, com o enfraquecimento do multilateralismo e de seus mecanismos – ONU, OTAN, OMC etc. A partir de janeiro, essa tendência vai se acentuar, com a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Em vez da cooperação e da integração econômica, haverá a competição e o isolacionismo. A agenda mundial perderá densidade em relação à agenda “nacional”.
As dificuldades criadas por Javier Milei na Cúpula do Rio de janeiro serão café pequeno, quando Donald Trumpatuar diretamente no cenário internacional. Será muito difícil criar um patamar comum em questões como livre comércio, nova matriz energética, crise climática, combate à fome, migrações e segurança internacional. A própria Europa não estará imune à tendência de insulamento dos países e isto pode se manifestar já na eleição alemã, prevista para fevereiro. Após a globalização e a cooperação internacional o mundo está entrando em tempos de murici, com cada país olhando para o próprio umbigo.
A conjuntura será bem diferente da que temos hoje, quando o Brasil sediará, em Belém, a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30). Para o sucesso obtido no Rio de janeiro pesou muito o fato de os Estados Unidos terem sido representados por um presidente em fim de mandato, cujas posições sobre cooperação, meio ambiente, combate à fome, taxação dos super-ricos, coincidem com as do governo brasileiro.
Biden tem posições extremamente avançadas em questões cruciais, mas, como representativas do governo americano, elas tem validade datada. A partir de janeiro os EUA estarão sob nova direção e em linha diametralmente oposta. Ou Trump esvaziará a COP 30 com a sua ausência, ou atuará no sentido de fazer valer sua agenda, na Conferência sobre Mudanças Climáticas, a ser realizada no final de 2025.
Quando for realizada, estaremos em um mundo mais conflitivo. Nem por isso, a COP-30 estará fadada ao fracasso. Vai depender, em parte, da capacidade do governo brasileiro de, desde já, estabelecer relações com o governo Trump pautadas no profissionalismo, de não tomar partido no contencioso Estados Unidos-China e de priorizar os interesses brasileiros. Em outras palavras, mais pragmatismo e menos ideologia.
Essa foi a fórmula do sucesso na reunião do G20. Se repetida, pode produzir resultado idêntico em Belém, no próximo ano. O Itamaraty já deu provas robustas de sua competência.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 20/11/2024.